terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Intenso Bresson

Muito já se falou sobre a harmonia geométrica dos trabalhos de Henri Cartier Bresson, e talvez se deva ressaltar que o fotógrafo se apodera da realidade sem a mínima perturbação, já que seus desejos são firmes e vigorosos. Senão vejamos: não lhe interessa ver sem que haja uma força que lhe instigue, que lhe impele a fotografar o improvável com tanto senso estético, como é o caso de uma foto da cidade da Grécia onde escadas, muros e casas se harmonizam no vívido embate de planos irregulares, sem a menor falta de limpidez na refinada interação das linhas, na tessitura branca de suas paredes.


O prazer vem então do dinamismo rápido, mas não afoito, que se instaura aqui e ali; da fina e quase demorada percepção que existe antes do clic. Bresson, vale notar, não é adepto da fria geometria que ocorre num tabuleiro de xadrez sem peças; o que mais o mobiliza são as possibilidades que a dança das peças evocam...
Sem dúvida, outro fator importante, já de certa forma aludido, é a profunda compreensão da luz que Henri possui, pois cada cidade tem a sua luz, ora de forma mais áspera, ora com mãos de ninfa, ora mais suave e morna, e, em contraste, seus interiores transmitem uma paz de aprazível sombra.


Além disso, Bresson sabe como poucos ver um artista envolvido com os próprios trabalhos, basta lembrar a foto de Giacometti, na mesma inclinação de movimento, que uma de suas esquálidas esculturas, como se não só o criador, mas também as criaturas tivessem exigências da vida que clamassem por ação.



Enfim, pode-se dizer que Bresson, seja no equilíbrio, seja na luz, seja no tema, sempre produz uma delicadeza imponderável como quem tira a carta do envelope sem rasgar o papel...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O bem que uma coreografia faz...




Vai aqui uma dica: quem, por ventura, quiser entender a Civilização, sem dúvida, leia Kenneth Clark, ou quem quiser entender o Amor que leia Proust, agora quem quiser algo que não seja um livro, mas que fale com tanta paixão como aqueles; sugiro uma coreografia de Jiri Kylian. Nada pode ser mais doce em seus andamentos, nada pode ser mais vibrante que seus gestos. Jiri escolhe o corpo como material de trabalho, e sabe em que medida o movimento e sua gradual pausa são importantes caso sejam densos; e sabe, como poucos, dosar a intensidade que anima o corpo, intensidade que se soma na presença de outro corpo, pois uma chama instila a outra, o que torna a coreografia ainda mais expressiva. Quando vemos dois de seus dançarinos, plenos de vigor físico, e prontos a experimentar os limites que o corpo é capaz, não temos dúvida da beleza de tais duetos. Não temos dúvida que Jiri Kylian dispõe de tal forma seus dançarinos que dá a impressão de formarem algo tão volumoso como uma onda; cada gesto se levanta e cai com o mesmo vagar do mar. Cada olhar dos dançarinos está totalmente absorvido pela dança, como se fossem o lago de Monet e o que nele se reflete. Não há gesto que não seja profundamente sentido, nem mão que segure um corpo sem que contenha a eletricidade da noite. Jiri Kylian faz da dança um universo de extrema sensibilidade e de extremo fulgor; que se faz sentir na pele daqueles corpos...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Um chamado mais sedutor





As palavras nem sempre são mais fortes que as imagens, portanto uso as fotos de Zé Marcos Carvalho para chamá-los novamente para a exposição Reticências na Oficina Cultural Oswald de Andrade que vai áté o dia 16/12, em que participo com os pequenos textos sobre os 22 artistas que lá participam.

Sobre cada superfície, um sonho



No trabalho de Vera, todos podem participar e o processo é simples: uma sobreposição de fotos no acetato, que juntas, formam o que a artista, inspirada, chama de devaneios. E de fato é o que sentimos, pois quanto mais se olha o resultado final, mais somos atraídos pelo vigor plástico, mais percebemos que a escolha das fotos não é, de modo algum, aleatória. Os planos do que vemos ora se afastam, ora se aproximam ou também seduzem pela intensidade da cor ou seu esmaecimento (para dar idéia de distância), de modo que a artista foi sábia na escolha das fotos, que sempre surpreendem pelo jogo interno das camadas. A imagem que nasce é como a revelação química dos filmes, que ainda se fazem raramente, devido ao advento da máquina digital; a diferença é que uma seduz por nascer do nada, a outra por nascer da conjunção de muitas fotos. E assim, pode-se concluir que sua poética possui muitas possibilidades, ou dizendo melhor, que cada observador possui a possibilidade certa para cada um de seus sonhos...

Obs: Fotos de Zé Marcos Carvalho

A vivacidade de tons frios



É preciso uma longa busca interior para se chegar aonde Walter chegou, pois a aparente simplicidade plástica que possui, exige uma dedicação e concentração, extremas. Seus quadros, sumariamente falando, são de tons frios e o mais interessante é a maneira de trabalhar essas nuances, uma vez que Walter proporciona graus de intensidade muito próximos um dos outros, como se houvesse sutis cintilações na superfície da tela. Além disso, Walter entra com manchas que de forma alguma são acidentais; são, na verdade, controladas e moduladas para alcançar uma vibração das formas, para ir ao encontro da alma da cor, assim como da alma da escuridão. O tempo todo, nós sentimos o pulsar da tela e uma atração irresistível por sua completa afirmação da vida; Walter mostra para nós que não é preciso cores como o amarelo, o azul, o vermelho (cores alegres por natureza) para que haja também, outro modo, mais silencioso e introspectivo de ser alegre.

Obs: Fotos de Zé Marcos Carvalho

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Do branco e para o branco





Os trabalhos de Áurea são de uma sutileza plástica curiosa, pois a imagem surge de acordo com as texturas presentes, e vale notar que o círculo vem sempre como tema. Decerto, sentimos que a imagem se insinua e que emerge do branco de uma forma delicada e suave. E muito da força de seus trabalhos decorre da correspondência entre as três obras, de suas diferenças, como se cada uma fosse o preparo para a seguinte, embora também se sustente por si mesma. Com efeito, o último dos trabalhos apresentados revela um aprofundamento da poética, uma vez que o círculo continua branco sem granulações em torno ou dentro, o que provoca uma nuance refinada, onde o que vale é a sugestão. Áurea trabalha no limite entre o perceptível e o quase imperceptível.

Obs: Fotos de Héctor Guiñez

Visões de uma árvore





De todas as formas naturais, a árvore sempre teve um fascínio especial para os seres humanos, pois não só nos oferece frutos como também faz pender seus largos galhos, de modo que suas folhas produzem aprazível sombra. Embora isso seja verdade, Marina segue o caminho de valorizar a espacialidade de uma árvore sem termos o corpo vigoroso da árvore propriamente dita. Sua instalação possui grande porte, com grandes painéis semicirculares e um detalhe fundamental: sobrepostos; o que proporciona um volume plástico que sugere o adensamento peculiar às árvores. Outro fato importante é que cada painel possui certa distância dos outros, de maneira que se pode percorrê-los e assim ser tragado por sua grandiosidade e por sua vegetação exuberante (a árvore é uma figueira-branca). E é interessante notar como o policarbonato transparente possibilita a visão dos outros painéis, provocando, dessa forma, tramas verdejantes, que juntas enriquecem o efeito final do trabalho. Diante disso tudo, Marina mostra que através da instalação, se pode recuperar valores que só encontramos quando a árvore é real.

Obs: Fotos da própria artista.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Um estrangeiro na Bahia

Sempre quando encontro um estrangeiro, no museu, em que trabalho, peço para ver suas fotos, uma vez que gosto de olhar o que, talvez, já vi, através de outro olhar, como se ele me mostrasse um novo caminho para se chegar ao mesmo lugar. Fico, também, ainda mais curioso quando algum estrangeiro decide morar longe de sua terra natal, tal a paixão e identidade que cria com o país que conheceu, e é isso o que acontece com Jamie Stewart-Granger, e o que pode ser chamada de sua Bahia (numa exposição curta que ocorre no MuBE).
De todos os lugares que podia retratar, quis o mais simples. De todas as praias que fotografou, parece ter a intenção de fugir da badalação. Seu foco – e que destreza no enfoque! – são as pessoas que vivem a beira-mar, onde o tempo é medido e desmedido pela arrebentação das ondas, onde o sorriso das crianças brota natural e faceiro; e o mar extenso como só ele pode ser, este que jamais secará e cujo sal por muito tempo ainda vai apurar nossas peles, uma vez que sempre nos fascina por seu eterno marulhar.
Decerto, Jamie não apenas transmite a alegria dessa região, como também o que há de dramático nessas vidas, de um modo tão intenso, que mal podemos conter a emoção que o olhar dos idosos, de um para outro, nos desperta, pois a vida inteira dos dois parece passar por aquele olhar. Quanto ao poder plástico, ele vem sempre bem equilibrado na disposição espacial, na intensidade da luz, até porque Jamie demonstra ter larga experiência com fotos em preto e branco, pois, com efeito, procura aproveitar todas as nuances, entre aquela gama de cores, necessárias para suscitar a exuberância da região. Por fim, desconfio seriamente que se Dorival Caymmi pudesse ver estas fotos, ficaria com uma vontade irrefreável de cantar...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Paisagens para se ver de cima

A paisagem não é um tema novo entre os artistas; muitas vezes foi e é motivo de admiração e, decerto, nas mãos de um artista original, pode se tornar surpreendente. E é isso o que ocorre com Fotos Aéreas – Roma-Capri de Kika Lerner no Mube, pois através de uma radical mudança de ângulo, ela muda a forma de enxergar a natureza.
Quando se viaja de carro percebemos, vez por outra, uma sucessão de planícies e vales onde as linhas curvas convergem para um todo harmônico, de um modo sempre generoso e pleno de suavidade. Em contrapartida, Kika descobre que uma viagem aérea está repleta de vislumbres como podem ser vistos nos caminhos ousados das estradas cercadas por vegetações e rios que atravessam a paisagem com um vigor convicto de seu fluxo incessante.
Kika, sem dúvida, nota como a natureza, vista de cima, possui formas geométricas que se destacam por sua ordenada composição. E o que mais nos deixa embevecidos é a sua lúcida consciência desse espaço e a vivacidade de cores que se encontram nessa região da Itália. Quanto mais olhamos o seu trabalho, mais nos convencemos de sua ágil capacidade de apreender o refinado equilíbrio dos campos de cor, sendo que muitas fotos chegam a ser quase abstratas, se não fosse a presença ocasional de árvores e montes de feno.
Outro fato importante diz respeito à superfície peculiar desses lugares, uma vez que é percorrido por vibrações de cores, sendo que o amarelo partilha com o verde a mesma qualidade plástica, assim como a cor terra com o amarelo. Com efeito, a cor pulsa sem nunca ser percebida de uma forma homogênea, pois, mesmo que sejam fotos, quase sentimos a sua textura. Kika Lerner expõe assim uma nova maneira de observar a paisagem, não menos intensa do que ser vista em perspectiva.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Através do fio do tempo



Tudo o que compreende a existência está fadada a um fim e por mais que sejamos jovens ou não, não sabemos quando virá ao nosso encontro. Não falo nenhuma novidade e nem é novo o fato de que a dor da perda está presente na vida de todos. E quando não é a morte, pode ser o fim de um sentimento ou, às vezes, o começo do esquecimento. Sendo assim a vida, não podemos deixar de notar a maneira como objetos que já tiveram algum valor se tornam sem serventia. E em outro extremo, vemos pessoas que guardam coisas sem nenhum valor material, mas de grande valor emocional. Decerto, Adriana, através de um gesto de carinho e zelo reúne elementos esparsos da vida de outras pessoas e também da sua, para evocar o passado em toda a sua marcante presença. As duas peças aqui presentes, pelo formato, parecem uma janela, mas que não deseja nos levar mais além, até onde a vista alcança e sim mostrar como cada objeto que há nela, cada fina trama de tecido, cada relógio antigo possui um valor afetivo que foi feito para permanecer entre nós, pois a memória contida nas coisas dura enquanto houver nas pessoas uma sensibilidade para afirmar a vida em toda a sua magnitude. Que haja sempre trabalhos que tenham esse poder de plasmar a vida de maneira tão pungente, capaz como é de construir de forma tão delicada uma obra que, às vezes, por indolência deixamos de construir na nossa alma...

Obs:Fotos de Marcia Gadioli

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Rembrandt: Mel Noturno







Todas as pessoas possuem um artista que admiram, sem entender bem o motivo e, talvez, o crítico seja o que mais se aproxima do abismo, do espanto diante de algo tão poderoso como é o grande artista, com o fim de estabelecer uma ponte para atravessá-lo. Como sou um crítico iniciante, vou, na medida do possível, expor minhas idéias sobre Rembrandt.
Claro que ele nos toca por sua explosão plástica, que, curiosamente, vem antes de Van Gogh. Enquanto a luz deste devora tudo o que vem pela frente, a luz de Rembrandt devora a escuridão, mas também é devorado por esta, nesse eterno conflito, o que explica a dramaticidade de seus quadros. Com efeito, Rembrandt surge como uma explosão estelar em meio à escuridão, uma vez que jamais o olhamos, sem nos deslumbrarmos com suas pinceladas arredias a qualquer sistematização, prontas a nos embevecer de delírio.
Montaigne escreveu ensaios que tinham como tema a si mesmo. Rembrandt, não menos interessado em se auto-analisar, faz muitos auto-retratos com o mesmo fim. Normalmente, as pessoas se olham no espelho antes de ir para a rua; Rembrandt não quer sair de onde se encontra, pois ali no seu rosto a tudo sobre a vida; toda a amargura, toda a melancolia, mas também todo o fascínio por este mundo. Ali, naquela parcial escuridão, e longe de rumores, Rembrandt desafia o tempo, converte-o em vivacidade.
Além disso, Rembrandt faz mulheres que são por inteiro, cuja idade não importa, pois sempre possuem uma dignidade magnífica, sendo que, mesmo que não olhem para nós, ao mesmo tempo não podemos tirar os olhos delas. Um nu de Rembrandt é tão sedutor e terno como um nu de Modigliani, tão intenso como cheiro de chocolate, antes da mordida. Agora, quando o tema é a velhice, não importa se masculina ou feminina, Rembrandt não é de modo algum romântico, pois nos põe diante do inevitável, nos mostra que a lâmina do tempo corta implacável. Por fim, não é a primeira vez que falo, aqui, de Rembrandt, e não acredito que será a última, tamanho é meu fascínio por seus trabalhos.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A energia que vem das mãos




O piano destaca-se dos demais instrumentos por seu tamanho, além do fato de nós irmos até ele, e não ele até nós. Um violino caracteriza-se por se acomodar no pescoço e o violoncelo perto do tórax. Com as duas mãos, a flauta vai direto à boca e, assim, pouco a pouco, percebemos uma mudança de comportamento, de acordo com o instrumento.
Com a harpa vemos que o músico também se inclina na direção do instrumento, mas de suas mãos sempre sai um som que mais parece vir do céu. Quanto ao piano, os anjos não podem tocá-lo, pois é preciso pés firmes, no chão, e uma tempestade de dedos ou, por outro lado, notas que só o resvalar da brisa traz.
Sem dúvida, sei bem o que é gravidade, não através da maçã de Newton, mas sim quando Glenn Gould senta à frente do piano. Seu corpo esguio pesa, e suas mãos caem impetuosas sobre o piano, de um modo voraz; Gould avança ao longo das notas, como se fosse um alpinista, cada vez mais enfeitiçado pela altura. A boca dele não consegue ficar parada e, então, balbucia aquilo que as mãos tocam como se fossem folhas, que giram em torno de si mesmas, por causa do vento. O piano pode não ter quatro pés, assim como não tem quatro bancos, mas nada tal como ele (a não ser que se fale de uma mesa), faz aproximar tão bem as pessoas...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O traço vivaz de Saul Steinberg


O esboço é normalmente o princípio de algo que ainda se pretende aperfeiçoar; pensa-se na pintura que virá depois, no passo árduo e prazeroso que se segue. Isso até que conhecemos o trabalho de Saul Steinberg, que procura, antes de tudo, a vivacidade do traço; a busca pelo esboço elaborado que já é obra final. Com efeito, ele só precisa de caneta tinteiro e nanquim para nos seduzir com sua linha irresistível e sonhadora, isenta de um fim adequado ou tradicional; a linha pode sugerir tanto sobre o ser humano, que cada vez que vemos um de seus desenhos, saímos revigorados.
Enquanto uns falam “Faça isso bem feito”, Saul fala “Faça isso mesmo sem jeito”, ou seja, encontre a sua voz, o seu timbre em meio aos outros. Não se pense, com aquela frase, que haja um ato displicente; pela postura quase pensamos nisso, mas quando vemos o ato, negamos. Steinberg tinha nas mãos fios de lã e, em vez de tecer, ele achou certo percorrer o espaço com tal linha, compreendê-la em seu poder de sussurrar, à medida que se fala. Agora, gostaria que alguém me desse uma definição da mulher e do homem com tanta verdade e simplicidade como ele fez. Saul sabe dar valor ao branco do papel quando há tinta...

domingo, 5 de julho de 2009

Paris não é Paris sem Doisneau




Quem deseja conhecer Paris e, às vezes, não tem como, não fique triste, pois Robert Doisneau, em suas fotos, mostra toda a magia que há lá. Doisneau não é o primeiro artista que se fascina pelo beijo; antes dele, Rodin teve nas mãos a argila e através dela o moldou para sempre e Klimt, de forma vívida, também o fez na pintura, mas talvez o fotógrafo tenha sido o primeiro a apreender com tanta verdade o beijo na rua.
O beijo, por mais que seja algo natural e que aconteça em qualquer lugar, é como a Lua que, quando surge, derrama sua luz por quem passa. Sem dúvida, o relógio é para os apressados, o que o sino é para os enamorados... Doisneau estava sempre em busca da delicadeza e assim vemos um casal que não resiste ao beijo, enquanto a vida continua; ou uma mulher de quem só se vê as pernas e de salto, no meio-fio... Doisneau não fotografa pessoas e sim o Amor latente nelas, ou antes, se sai melhor quando isto acontece; não fotografa sem se contagiar pelos pequenos detalhes, sem os quais a vida deixa de ser o que é: Enlevo...

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ao encontro da luz




Em Portrait of an Artist, um documentário sobre Frank L. Wright, percebemos a tamanha consciência do arquiteto em relação às possibilidades que um terreno permite, indo muitas vezes além dos prováveis limites. Desde o começo da carreira, é autor de projetos que, mesmo sem ser ousados, tais como veremos, são ao menos de um despojamento louvável.
Wright impressiona por sua inventividade que abrange não só casas, prédios, museus e jardins como também móveis, vitrais, relevos esculpidos e até brinquedos. Tal profusão de atividades é de vigor extremo, uma vez que compreende o valor de cada coisa sem nunca deixar de lado a harmonia do conjunto. Se alguns teóricos chamam a atenção da cultura japonesa como influência, podemos dizer que a natureza que circunda as casas de Wright não é tão serena como um jardim japonês. A meu ver, o arquiteto extrai da assimetria das árvores e solo, ponto de partida para a riqueza plástica de suas casas; linhas que avançam e recuam, o uso de pedras como estrutura e parte da superfície material da casa, tudo isso nos leva a entender melhor o motivo de sua arquitetura ser chamada de orgânica.
Nunca se viu tal como aquela famosa casa sobre a cascata algo tão integrado a natureza, mas Wright não é só mestre de exteriores. Suas casas vistas por dentro são acolhedoras, espaçosas e de luz diáfana. O motivo é a lúcida compreensão da casa como um corpo que deve sentir-se bem por dentro e se movimentar com graça e elegância por fora. Agora, o fato de a luz ser diáfana deve-se ao modo de às vezes ele trabalhar esse vidro com formas abstratas e cores suaves; não contam histórias como os vitrais de catedrais, mas enriquecem a atmosfera da casa.
Com o passar do tempo as curvas começaram a viver em suas formas; basta pensar na casa de 5.000 dólares que fez, até chegarmos a projetos de maior porte como o museu Guggenheim. Se naquela pequena casa vemos a simplicidade com que usa a curva, já no museu somos seduzidos por sua espiral que contagia tanto como o bolero de Ravel...
F. L. Wright a cada novo trabalho reagia à condição específica do local para assim realizar seus projetos. Vendo seus trabalhos penso naquela poesia de João Cabral de Melo Neto sobre Paul Klee: “Sem medo, lavava as mãos/ do que até então vinha sendo”. Só que para tanto, em vez de sair à noite, F. L. Wright gostava mesmo era de sair à luz do dia.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A voz que também é para os olhos




Maria Callas é ótima para se ouvir em cd, até que a ouvimos no You Tube, e aí parece que sua voz ganha outra amplitude e densidade. O que já era uma voz de rico cromatismo, agora se torna palpável de uma forma ainda mais intensa, pois voz e corpo sugerem uma doçura e dramaticidade que vai além da mera rotina. Somos então transportados e guiados por esta linda mulher; pelo que ouvimos batemos asas, e pelo que vemos mantemos a altura sem precisar de algum movimento. Callas responde à própria voz com gestos de extrema vivacidade, e o curioso é que o sentimento é tão forte que quando a música chega ao fim, ela ainda demora certo tempo para voltar da viagem que acabou de fazer. Escutá-la é perceber como modula a voz suavemente sempre encontrando a melhor afinação para o que pretende. Deve ter sido maravilhoso para quem viu Maria Callas, vestida de vermelho e porte altivo, na fronteira entre o mundo e o palco, a ponto de conferir vida a cada nota... Depois de vê-la em algum vídeo, você leitor, nunca mais a ouvirá sem uma doce memória visual.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Miragem de Pedra







Cristiano Mascaro tem uma bela compreensão das qualidades de cinzas encontradas numa cidade. Sua foto, vista ao vivo, sugere um mundo de fascínio onde céu, prédios e árvores possuem poderosas correspondências. É de fato uma miragem de pedra... A névoa contribui muito nesse sentido, mas Mascaro não pára por aí, já que seus trabalhos são uma intensa pesquisa por formas das mais variadas; Cristiano primeiro se depara com a cidade, com o parque e com a rua para ali encontrar a forma no que possui de vital, pois quando vê um carrossel, busca um ângulo que condiz com a dinâmica do brinquedo, ou quando vê a ruína de uma casa, procura um modo de explorar a geometria do que ainda se encontra lá. Cristiano converge elementos, a princípio, díspares como um prédio desativado e uma ponte que juntos adquirem uma bela consistência plástica. E não só o velho como também o novo provoca a sua sensibilidade, basta ver “Tokyo#1”, que chega quase a ser um quadro abstrato e que são, na verdade, prédios que se conjugam incisivamente. Além disso, Mascaro num relance, numa visão extremamente aguçada, apreende os matizes de luz de um corredor de metrô, que passa tantas vezes despercebido por tantos, como na foto “Lisboa#1” e com esta o requinte a que se pode chegar uma foto. Cristiano mostra enfim como as fotos podem ser mais do que um simples registro, mais do que um por aqui passei; o que ele nos diz é que lá há algo denso a ser visto, não é uma mera ruína, mas aquela ruína... Não é uma cidade que só lembramos da poluição; com Cristiano Mascaro queremos chamar qualquer lugar de nosso... Uma ótima exposição esta na Galeria Nara Roesler.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Aquele estranho que mora ao lado


Como muitas pessoas que vivem em cidades, moro em apartamento, e fora um ou outro são todos estranhos que habitam o mesmo lugar. Dois metros separam o meu apartamento do vizinho, agora me pergunte que nome tem, que faz da vida, como se diverte e não saberei responder. Dá pra escutar a voz vez por outra atrás da porta que mais parece parede, pois dificilmente a vi aberta. E não pensem vocês que sou um espião; sou apenas um curioso pelo ser humano, ainda mais por ser tão próximo, e não menos distante...
Agora uma coisa é certa, não se faz mais vizinhos como antigamente, e olha que não sou tão velho assim. Antes em vez de falar meu vizinho, falava-se meu amigo. Hoje, garanto que se meu vizinho mudar nem serei avisado, nem haverá despedida, ainda mais se nem houve apresentação! É de fato muito esquisito morar num prédio, basta pensar no elevador. É o único momento de convívio com os outros moradores e por isso mesmo sentimos certo embaraço no ato da conversa. Também, o que dizer em dois minutos? Que assunto cabe em tão pouco espaço de tempo? Na verdade, é um alívio quando chegamos ao nosso destino... Vivemos então para a nossa família, para os nossos amigos de trabalho, para os amigos de longa data; mal percebemos que o vizinho ao lado, pode ser mais do que o vizinho daquele lado...

Nem todo o sorriso vale o mesmo que os olhos


Não sei em outros lugares, mas aqui no Brasil tem-se o costume de sorrir para a foto; o fotografo sempre clama e reclama por um sorriso, quer você queira, quer não e é até falta de etiqueta senão cumprir; pois bem eu acredito no sorriso quando é espontâneo. Caso contrário, parece que deixamos de revelar o nosso verdadeiro eu e passamos a fazer propaganda que somos felizes e bonitos. Você pode estar nos seus piores dias, mas não importa; sorria e nada disso será visível.
Curiosamente nem todos são bons atores; há alguns que não conseguem se esconder nessa máscara chamada de “X” por quem tira a foto; por mais que tente, lá do fundo de si mesmo, há algo que vem para a superfície de modo incontestável. Agora não posso deixar de notar que há bons atores que mesmo sem vontade desabrocham a boca de maneira confiante, que pode não ser seu melhor dia, mas e daí? Respeito a todos e até acho engraçado e às vezes trágico os nossos esforços. Mal nenhum se faz, mas admiro quem se mostra como é, por isso gosto tanto dos auto-retratos de Rembrandt na velhice; ali o pintor não procura as aparências, nos lega apenas a sua humanidade; sorrir aqui no caso seria mentir (claro que ele não era só sombras), o que vemos é um homem por inteiro, de certo em sua precariedade, mas de fato um homem. Suponho que Rembrandt se espantaria com o flash e diria: Para quê? O que importa é a centelha que vibra nos olhos, eu concluiria...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

As sutilezas da cor



Nos primeiros trabalhos de Monet, ele dá uma clara atenção às figuras, porém, paradoxalmente, são estas “pano de fundo” para a natureza. Quase nos esquecemos delas, pois as plantas e flores de Monet possuem uma energia e, sem dúvida, uma presença maior. Já estava ali o que viria a ser seu quase exclusivo tema.
Assim sendo, explora a natureza em toda a sua diversidade, faça sol, faça neve, seja mar, seja campo, mas, curiosamente, o céu nem sempre tem tanto destaque. Nem sempre, mostra a voluptuosidade do céu como Van Gogh; havia algo em Monet que se deixava fascinar mais pelo efeito da luz nas águas e nas coisas. Mesmo seu quadro “Impressão, sol nascente” nos encanta mais na metade para baixo, ali, sim, a cintilação do laranja com suas oscilantes pinceladas são passo decisivo para o que virá depois.
De certo, é como se Monet percebesse um campo ainda não tão experimentado. Houve um Turner para apreender a atmosfera de luz, mas faltava um artista que se assombra com as luzes numa catedral, que se embevece com as cores de um monte de feno - no fim de tarde. Até chegarmos aos quadros de Giverny, sutis em suas vibrações e cores, que sempre pede um olhar demorado, que não tem pressa para as cores; como descrever tais telas? Compreendemos que é um lago, mas nesse caso sonhar nunca foi tão real. Compreendemos que ali há plantas, mas nunca a tínhamos visto tão inefáveis. Monet é mestre do imponderável.


Obs:Os quadros de Veneza e Londres são maravilhosos, mas ainda assim, defendo aqui, onde Monet foi mais original.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Léger na Pinacoteca

Fotos extraídas do Google de Tarsila e Léger


A exposição, na Pinacoteca, de Léger surge repleta de belas obras. E não ficamos apenas entre pinturas; temos também gravuras, projetos arquitetônicos e tapeçarias. São trabalhos que influenciaram artistas brasileiros, como Tarsila do Amaral. Assim sendo, a exposição não é só sobre Léger, mas como culturas diferentes tinham algo em comum.
Ambos, Tarsila e Léger, tinham algo do cubismo, principalmente, a simplificação das formas, um tanto geométricas, mas sem o intuito de mostrar várias perspectivas. Fora isso, mestre e aluna eram bem diferentes.
Tarsila com o passar do tempo encontrou o próprio estilo que era de uma alegria irradiante por seu povo e pela modernidade crescente no Brasil. Mesmo que simplificasse as pessoas, ainda assim havia a marca da personalidade em cada um delas. Vendo seus quadros na época nem dava para supor o que se tornaria nossas caóticas cidades.
Quanto a Léger, não reparamos na personalidade de cada indivíduo; todos parecem iguais, no entanto é a cor que os fazem distintos. Uma cor que nem sempre vem com o sentido de preencher os seres e sim mostrar o dinamismo entre as pessoas e os lugares que vivem ou trabalham; o que vem de fundo interage com as figuras em primeiro plano; há uma cor que flui de um lugar para outro, que é generosa com tudo que toca. O corpo assim assume uma beleza que convence pela inventividade que vai encontrar no próprio estilo. Faz braços e pernas, delgados que não se vê na natureza, mas que possui veracidade na pintura. Léger mostra, com seus trabalhos, que há algo de sofisticado em seu modo simples de ver a vida.


quarta-feira, 11 de março de 2009

Esculturas no MuBE (1)



A escultura vermelha de Toyota, no Mube, proporciona aos olhos um sentido de leveza em que ficamos pasmos, justamente, por ser de aço. São finas chapas de geometria triangular, dobradas de tal modo, que propõem com seus cortes e formas, às vezes, quase suspensas, um universo que se desdobra sem cessar de um novo modo. Ficamos a pensar de onde extraiu esse mundo tão pessoal e consistente: Será que surge só da imaginação, além do contato com a matéria? A natureza é capaz de sugerir algo? São perguntas válidas, pois senão como entender a profunda serenidade destas obras? É um mistério que continuo sempre admirando e como gostaria de ir mais fundo!
Toyota faz esculturas que criam raízes, que são absorvidas integralmente pelo espaço. Há em cada parte do trabalho um reflexo da anterior, que seduz por ser imprevisível. Diante de um belo torso já imaginamos parcialmente o que virá depois de vê-lo de frente, enquanto Toyota subverte a lógica das coisas, buscando ângulos e vãos que não se suspeitava. Dessa forma, podemos concluir que elabora uma geometria sensível que mais parece um jogo de espelhos de diferentes formas.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O prazer de andar








O MuBE, para quem não o conhece, pode deixar alguém perdido. No primeiro momento, ao entrar pelo pátio, dificilmente nos localizamos para saber onde tudo começa, e na verdade já começou. Por fora sentimos a liberdade que um pátio nos oferece, sendo que, aqui e ali, adquirimos pistas do que está por vir.
Podemos tomar três caminhos para se chegar à entrada de seu interior. Um dos caminhos leva ao lago triangular onde encontramos carpas e nos deparamos com uma bela visão do museu (entre muitas), pois sem dúvida o prédio é mais que uma simples caixa; assemelha-se à diversidade de um origami, além da delicadeza de seus contornos. Há também o amplo caminho que conduz às escadarias cuja descida fazemos em ritmo lento devido a sua largura situada quase abaixo da marquise de concreto. Outro caminho seria descer uma rampa lateral que é acompanhada por um estreito lago de carpas. Todos esses caminhos seguidos ou não por veredas fazem chegar à entrada do museu; o que vimos por fora revela pormenores essenciais para o que virá depois, isto é, o seu interior...
Se entrarmos pelo grande salão, vê-se que a divisão de planos que ocorrem lá fora se repete dentro, de forma bem mais sutil; os planos unem-se através de uma rampa que suaviza a ordem espacial. Um espaço amplo sem janelas, com exceção das clarabóias quando se pretende luminosidade. Logo em seguida temos uma passagem que nos conduz por outro espaço onde o plano mais baixo justapõe-se a outro mais alto( a sala Burle Marx); o que muda a perspectiva do olhar dependendo de onde se estiver. Isso sem deixar de notar que no plano superior nos deparamos com grandes janelas que dão para o lago estreito de carpas que serve de contraponto lírico a toda a arquitetura de concreto realizada por Paulo Mendes da Rocha. Tal obra aqui seduz pela sua simplicidade de soluções e pela bela ordenação plástica que dá ao trabalho. Afinal, quem mais para fazer uma administração que parcialmente ladeia o lago? E o que falar desse lugar agradável que é o restaurante do museu? Sua arquitetura não é maquina de morar e sim uma construção para se amar...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A melancolia de Rothko


Rothko tira da simplicidade compositiva a força de seu trabalho. São faixas, ora maiores, ora menores, onde as cores reverberam numa combinação triste como um pôr-do-sol. A idéia não é minha, pois, ao pesquisar imagens dele no Google surgiu, lado a lado, uma pintura de Rothko e o sol de fim de tarde numa praia. Em ambas, as cores aparecem concentradas, num tom de despedida. A noite (no caso de Rothko pressentida) aos poucos avança modificando o céu, à medida que se dissemina por toda parte o êxtase... Rothko escolhe cores, assim como o sol escolhe a sua maneira de morrer no mar. Seus quadros são grandes porque deseja, sem poder cumprir, o ilimitado do horizonte. Dosa cores quentes com cores, que ainda não são frias, de modo pungente; cada cor é plena e adquire destaque em relação às demais. Perguntem-me o quadro abstrato que mais toca no que há de humano da vida, e não hesitarei em dizer que veio das mãos de Rothko.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O furor chamado Espanha

As fotos de Leonardo Kossoy (na CAIXA Cultural São Paulo) são, para dizer o mínimo, intensas. Nelas conhecemos a voraz luminosidade de suas cidades; sentimos na pele das paredes algo que arde de maneira que não se pode conter; só talvez abrandada pela sombra de colunas de estilo árabe, num lindo contraste.
Os títulos das obras são sugestivos tais como “Um segundo antes do grito”, onde encontramos mais um testemunho da alma espanhola do que uma simples documentação ou “O Silêncio” que traz a cidade no que tem de misteriosa, enquanto todos parecem fazer a cesta, ou “El Boceto” (se não me falha a memória) que se detêm numa delas, nas texturas de uma árvore marcada pelo tempo, tais como as rugas próprias da velhice. Também, quando diz respeito às touradas, com o nome “Te Quiero”, ao retratar os “dançarinos” da arena, que sempre saem com estilo, das investidas em fúria dos touros. Além do lirismo de uma roseira que reivindica seu espaço próximo às paredes... (esta foto é mais bem vista pelo lado de fora).
De certo, nos apaixonamos por essa Espanha delicada de Velasquez, enérgica de Picasso, cheia de poesia de Miró (para ficar entre alguns grandes) que soube tão bem traduzir em fotos, Leonardo Kossoy...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O N da minha bússola

Um tema muito comum entre as pessoas é falar sobre viagens, e a tal ponto agrada a todos, que não faltam programas dedicados a essa “dura” tarefa. Os turistas profissionais vão à busca do que é exótico, principalmente quando diz respeito à comida. Experimentam de tudo, e nunca vi recusarem; são a alegria dos outros, enquanto sentem, talvez, um sutil desespero.
A curiosidade não vai além do rotineiro; vive-se um gostei e não gostei intermitentes. Pergunta-se apenas sobre a cidade e não sobre as pessoas, ou só se reclama das pessoas e esquece-se da cidade. Falta aos profissionais um olhar bressoniano que à vezes desconhece pontos turísticos, que perambula como a brisa, que ouve o eco dos passos sem saber onde se está, no entanto nunca se esteve tanto...
Perceba, então, que viajar é também pelo menos uma vez se ver falando, por acaso, a língua alheia: e verá com prazer que pertencemos também a outras civilizações. Viaje sozinho para amar ou acompanhado já amando, mas viaje. O Amor mostra que viajar é um modo de amar. Ando com um mapa que eu próprio desenhei...