segunda-feira, 30 de julho de 2012

Sete razões para te querer no frio




Tenho muitas razões
Para te querer no frio.

Primeira:
Para assim conhecer melhor
Meus pés junto aos teus.

Segunda:
Teu perfume perdura
Ainda mais em meu travesseiro.

Terceira:
Cada beijo é
Um aquecedor portátil.

Quarta:
Ver o seu arrepio de frio
Pedindo abraço.

Quinta:
Ambos a puxar
O cobertor para ambos.

Sexta:
Poucos dedos
Para tanta pipoca.

Sétima:
Esquentarmo-nos
Com o luar.


Obs: Obra de Van Gogh.

Dedico à minha doce Jana.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Lua e o vigia




Dá uma verdadeira paz,
Plena de pungente mistério,
Escrever para ti
Nesta hora da noite.

Ouço,
Daqui de casa,
O vigia da rua
Com seu apito solitário
Em busca do enlevo da Lua.

Tal vigia sonhador sou eu.

Sem pressa em terminar o turno,
Sem rumo que não seja
Acompanhar o próximo fulgor.

Pretende com o boné
Peneirar as nuvens
Para apreender apenas
O sumo leitoso do luar.

Nem porventura a falta de fôlego
Impede-lhe de colher
O fruto mais distante do arvoredo.

Pois que idade tem
Este homem deslumbrado
Que sou eu
Diante de tamanha claridade?

Este homem que sou eu
Tem sempre aquela jovem idade
De descobrir teu rastro de luz pela cidade.


Obs: Obra de Marc Chagall.

Dedico à minha doce Jana.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Desde que haja mel, não haverá fel




Se Deus é o caminho,
Sei que a tua presença
Torna por onde passo
Em algo bem florido.

Se Deus guia lá do céu,
Quem senão tu
Para saber qual vento
Não me deixa cá ao léu?

Se Deus é a verdade,
Somente teus beijos
Com doçura de mel
Aplacam a minha saudade.


Obs: Obra de Monet.

Dedico à minha doce Jana.

domingo, 15 de julho de 2012

Entre Jesus e eu




Diante da alegria
De ter como convidado
Jesus,
Teria a possibilidade
De estender uma toalha de mesa
De linho,
Com todo o carinho,
De modo a tirar com os dedos
Qualquer desalinho de sua superfície.

Não importa qual material do prato,
Não importa qual tipo de copo,
Deus, logo mais presente,
Daria um belo assentimento:
A ponto de rever, em toda a sua pureza,
A luz do sol
Por entre a translucidez do vidro,
Sem nenhuma ressalva
Quanto à modéstia dos metais.

Repartiria o pão comigo
Com toda singeleza natural,
Grato pelo ar de respeito,
Pelo riso comedido,
Pelos ombros que se esbarram
Docemente,
Pelo cheiro de hortelã
Em algum lugar impreciso –
Ah, sim,
E também,
Sem dúvida,
Pela verdade do olhar
A dizer o porquê existe
Paz na Terra.

Depois que já não estivesse
Cá em minha mesa,
Eu recolheria os farelos
De teu pedaço de pão,
Beberia o que restasse de teu copo,
E jamais colocaria do avesso a toalha de mesa
Por onde tive tuas mãos,
Nem saberia ao certo com que fim
Tirar aquela mancha humana de vinho,
Muito menos haveria sentido em mudar
Algum dia tua cadeira de lugar.



Obs: Obra de Rembrandt.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Uma data que me faz acreditar na vida




Existem datas num namoro que jamais esquecemos.

A data em que pela primeira vez
Houve mútuo e doce encontro de olhares,
Em que não de outro modo pude conhecer
O lirismo de tua voz,
Em que sem dúvida pude vislumbrar,
Para a minha alegria,
O perfume de tua letra.

Ou senão
A data em que pela primeira vez
Descobri num beijo o poder do milagre,
A ponto de me mostrar
O motivo de haver verdade e paixão
Em tal gesto,
Já que às vezes em outros relacionamentos
Pode até ter havido paixão,
No entanto,
Será que houve verdade,
Será que houve profunda correspondência?
Milagre cuja capacidade de reinventar o amor
Rejuvenesce por toda vida a minha alma.
Milagre cuja simplicidade e humildade
Fecunda o mundo de ternura.

Datas que fundam
A pureza de algo sincero,
De algo que não se explica
Senão entre o olhar e o silêncio,
Entre o beijo e o sorriso,
Entre a humanidade da voz e o abraço.

Datas sem datas bem demarcadas
Em que pela primeira vez
Cantamos juntos “Boa noite, amor”,
Na interpretação de Márcia Lopes.

Datas distantes ou próximas
Em que fui e sou amado,
Em que tu foste e tu és amada,
Datas que não seriam possíveis
Sem esse dia,
Sem esse dia que tu nasceste
Para a vida,
Sem esse dia que enchestes
De ventura a vida de teus pais,
Sem esse dia que sempre passou a compartilhar
Mais para frente com teus irmãos,
Sem esse dia que deu graça e colorido
À vida de todas as crianças
Que sempre se aproximaram de ti...

Sem esse dia,
Não haveria Sol verdadeiro,
Nem maneira de nomear o luar.

Sem esse dia,
Não haveria motivo
Para o Inverno ser aconchego de lar,
Nem para a Primavera florir,
Nem para o Verão irradiar ardor,
Nem para o Outono serenar folhas secas ao longo do chão.

Sem esse dia,
Não saberia nada de fato sobre mim...


Obs: Obra de Volpi.

Dedico à minha doce Jana,

Por sua linda data de aniversário: 9 de julho.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Saber que dos dias vêm as noites





Saber que dos dias vêm as noites,
que do amor vem ainda mais amor,
que do sol vem a fortuna
do luar,
que do beijo seminal vem a alegria
de outros beijos,
que do rio vem tudo o que há de promessa
para ser mar,
que da carícia nada vem que não retorne
na forma de um milagre,
que do amanhã vem,
sem jamais deixar de vir,
a certeza de ser nosso comungante dia 7 –
me faz muito mas muito feliz.


Obs: Obra de Chagall.

Dedico à minha doce Jana.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Ao longo do caminho


Num estado de arrebatamento, apoderou-se de mim o ímpeto de realizar um documentário poético. Com poucos recursos que, no fundo, me permitiram talvez compreender melhor tal linguagem, a ponto de reaver a aventura que há em mim. Capturei todas as curtas cenas em meu próprio bairro, ciente do lirismo que encerram – lugar onde nasci e vivo. Decerto cada tomada foi feita de modo amador, mas quem não é o amador senão aquele que ama o que faz? Foram todas tomadas feitas ao acaso? E por acaso não há verdade e descoberta no acaso?


Seria mesmo sério que, por mais que eu não quisesse, a minha mão tremulava? Sim; e tremulava junto, de prazer, o meu coração...


Assim apreendi talvez o relevante para me arriscar. E, com ajuda de meu amigo Thiago Prudêncio, pude fazer do risco um alento para os olhos contra qualquer cisco. Prudêncio deu-me uma ótima perspectiva das possibilidades latentes das imagens e das frases em áudio que gravei de alguns pensadores. Ajudou-me a pôr cada frase a respirar no seu devido lugar para que houvesse faísca naquilo que se vê.  E o fato de meus pés chutarem um cascalho logo na primeira cena faz, à sua maneira, um convite para a caminhada. Cena que, em meditados fragmentos, será o fio condutor da narrativa. Surge ao longo do documentário tal fato a fim de se estabelecer um elo com as outras tomadas. E o curioso é que este caminho é visto muitas vezes de viés, de acordo com a plasticidade inerente dos muros, da pátina ou pintura que revelam. Além, é claro, da maneira como uma frase energiza o que talvez haja de duradouro ali presente. E mesmo que não seja tão imediato o elo entre imagem e som, vale a pena deixar-se levar pela cadência que evocam.
Mas, não de outro modo, talvez seja possível perceber o relâmpago que precede a chuva, assim como a chuva que preconiza outro relâmpago. Resta agora saber se serei tão feliz no que digo quanto no que fiz...

terça-feira, 3 de julho de 2012

O homem




O homem
Meio lobo
Meio Carneiro
De si mesmo,
Não sabe o que é recreio,
Nem sequer sabe o porquê veio,
Já que logo logo
Abocanha a presa um tanto cego.

Sai depois em fuga
Com sombras que são seu rebanho,
Sem lembrança de antanho,
Sem qualquer lugar
Para repouso.

Os olhos,
Entre o azul e o castanho,
Devastam a pedra das montanhas -
Sem manhãs, nem manhas.

Uiva
Até que os novelos de lã
Sejam, mais de ti, lívido limo.

Uiva para o nada.

Uiva porque a fome de nada
É tudo.


Obs: Obra de Francis Bacon.

Violeta Parra e Samico - denso e doce enlevo




Antes de qualquer rumo, desaprumo-me de tudo o que já vi sobre Arte para me entregar à inocência magistral desses artistas latino-americanos. São capazes de grande apuro técnico de acordo com o que há de mais profundo em suas culturas. São artesanais no extremo salutar da lucidez. Cada qual pleno de seus respectivos povos. Ele é brasileiro do Nordeste sonhador e celeste. Ela é chilena que abarca com seu coração o Chile inteiro. Enquanto ele grava na madeira ardente, ela tece como que das profundezas do de repente. Tão distantes e tão próximos. Firmes na vontade de uma densa limpidez no labor artístico, como se ambos sempre recuperassem o frescor de elo entre o ser humano e os bichos, numa alegria que as cores não escondem, pois a linha tecida persevera, a goiva destemida escalavra – em mútua fome e fervor de mundo. 










A cor de Violeta Parra inebria - brisa do mar do Chile. Acalenta qual irrefreável melodia. Entusiasma para jamais serenar a noite. Rouba do frio chileno um calor por mais humanidade, por mais verdade entre as pessoas. Bem ao gosto de Samico, embora em outras aragens e temperaturas que caracterizam tão bem a mitologia própria da terra da seca e do Sol. Quando há água, a cor é voluptuosa. Quando uma ave vem com seu porte altivo, a cor é repleta de candura. É na simplicidade que ambos auferem magia ao mundo. Na doçura que se reafirma sempre entre a realidade e o sonho. No poder de plasmar memória e imaginação com tanta convicção. Uma com o fio, o outro com o vinco.








Com tal poesia e originalidade que nem mesmo se sente falta da tradição européia, pois Parra e Samico trazem uma ingenuidade que talvez apenas Henri Rousseau, aquele que não seguiu nenhum ismo, possui de paralelo entre Continentes. Sem renovar tal como eles o fizeram em densas técnicas, mas prenhe de vitalidade e ânimo. Verdadeiramente capaz de criar o inusitado. À par de um sonho chamado pintura. É dessa forma que se pode descobrir o quanto a arte universal comunga com as raízes profundas do povo. Não é para menos que todos tinham uma maneira sempre maravilhosa de ver a realidade, a ponto de transmudá-la em algo mais pungente. Cientes de que para espelhar o humano, deve-se espelhar o outro. A outra e mesma face que não é ninguém senão o povo simples.


Obs: Respectivamente, obras de Violeta Parra, Samico e Henri Rousseau.