quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Projeto para museus: entre a poesia e a crítica



Antes de tudo, devo confessar o quanto adoro a atmosfera dos museus, o quanto seu silêncio sempre me segreda algo. Sem sequer um momento que não seja de descoberta. Prestes a ser o faro que tanto conjugo com a memória quanto com a visão: longo processo de associações que, por vezes, culmina em palavras. Busca que faz de mim um ouvinte do outro - chuva que impregna a árvore de frescor. Pois ouço para ser o outro que também sou eu. Pois falo para ser o que sou eu do outro. Vou ao encontro da alegria que sei que, de algum modo, há em comum entre outrem e mim. Sem dúvida, quero ser não tanto aquele que domina tudo sobre algo: quero ser aquele que ainda que domine algo sabe que o tudo não é tudo. Quero ser aquele que sabe que a emoção vai além de tudo, para absorver o que há de genuíno no ser humano. Mamão que necessita do corte perfeito para que se aproveite melhor a polpa. Vento essencial para que haja onda. Sol duradouro ao longo da vegetação. Sei que não é fácil. Sei, por ventura, o quanto pode haver de fugaz desilusão. Já bem disse Shakespeare: “Os planos são nossos, não os feitos”. Ainda assim, nada é mais gratificante, nem mais pleno de vida. E para tanto tenho apenas o meu amor para com o mundo. Tenho, sobretudo, a minha gratidão por minha família que sempre me apóia, assim como o prazer de ter a namorada que tenho – não menos importante em tudo. Espero assim que minha carta estimule uma futura experiência como esta.


Obrigado pela atenção,


Fábio Padilha Neves.


Obs: Obra de Rembrandt - Leão pleno de vigília serena.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Fotografias da alma



Sim,
Ainda há brilho
Furtivo
Em meus olhos,
Que permanece sim
Mesmo depois
De já não haver nada
Senão papel e tinta
Diante de mim.
Quem me proporciona
Tal escopo
É o doce silêncio
Da FAAP.
Sem qualquer
Ansiedade latente,
Já que meu
Olhar
Perambula de
Foto em foto,
Prestes a ser
Momento sem ímpeto
Algum
Que não venha
A contento,
Sem espaço
Algum
Que não seja
Vastidão da alma.

Quando vemos
Um retrato
É possível que seja
Tanto
Sondagem espiritual
Quanto
Sedutor lirismo.
Quando vemos
Um simples encontro
Em família
Qual não é a suprema
Delicadeza
E sincera alegria?!

Em tudo,
Sem sequer um minuto
Brusco,
Descubro, aqui e ali,
O que o coração
Guarda no lusco-fusco.

Sonho
Assim como se
Sonha em
“Bubi com a bola”, de Jean Moral.
Sonho o que Pierre Verger
Viu e entreviu
Na alegria do Brasil.
Sonho, do fundo da alma,
Como gostaria
De ser
Aquele guarda-chuva
Da moça
Ao longo do dia
Que já se foi...
Sonho, sabendo
O quanto ainda não sonho,
Todo gesto de
Pureza humana
Que vejo.

Sonho, embora haja
Lucidez enquanto sonho,
O fulgor noturno
De São Paulo –
Longo rastro de
Eletricidade e cavalos.
Sonho, sem saber até quando,
Com o entardecer
De uma ponte,
Sem premente alarde,
Sem que nada me desaponte.
Sonho, jamais tão pleno,
O batismo
De luz e sombra
Que cada fotógrafo
Recupera em mim...

Fábio Padilha Neves

Obs: Obra de Thomas Farkaz.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Portinari: tanto um quanto outro lado da alma



Diga-me, âmago,
Qual lado da alma
Posso encarar
Sem pranto?
Posso ao menos
Distinguir o choro sereno
Do choro de angústia?
E se houver tal
Possibilidade
Por onde começar?

Pergunto-me,
Confuso, pois
Jamais sei
O quanto há
De guerra,
Nem o quanto
Há de paz
Em minha alma.

Posso tanto ser
O coro celeste
De crianças
Ao longo do vento,
Como também posso
Ser o drama
Dos braços
Erguidos
Em busca
De Deus.

Posso ainda olhar
Para cima
Em ambos os painéis,
Mas nem sempre posso
Olhar e ver algum
Paraíso.

Muito embora,
Seja certo que
Nem sempre
A criança que
Brinca bem aqui
Morre tal como morre
Logo ali.

É verdade também
Que nem sempre
O encontro das mãos
Vai ser o desencontro
Derradeiro
Que se chama
Morte.

Sei bem que
Qualquer que seja
O espelho
Que se olha
Não se fica
Sem alguma
Imagem
Do mundo.

Mesmo que seja
O mundo
Que não se compreende.
Mesmo que seja
O mundo
Que traz dor e prazer
Em tanta compreensão
Latente.

Percebo,
Sem muita nitidez,
Diante de mim
Um rosto na sombra.
Ao mesmo tempo em que
Do outro lado
Percebo
Um clarão
Que logo se faz rosto.

Mãos - vejo,
Mas não vejo sempre
Que rostos vejo.
Mais adiante, vejo, sim, algo dos rostos -
Um olhar, talvez -
E, por ventura, esqueço-me
Das sofridas mãos.

Dança - quando há -
A minha alma
Dança.
Quando há
Apenas prostração,
Prostro-me
Junto.

E o que vai além
Do mal
É a alvura
Do formoso cavalo.
E o que fica aquém
Do bem
É o negrume
Dos corcéis
Prestes a nada
Preservar.

Assim,
Há momentos de dúvida
Sem consolo.
Há momentos de consolo
Sem nome
Que se dê à dúvida.

E enquanto houver
Mais ou menos
De mim,
Ainda haverá
De minha paz
Guerra
E de minha guerra
Paz...

Fábio Padilha Neves

Obs: clique na imagem para aumentá-la.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Proeza de Visconti



Não, não é possível sequer um momento diante das obras de
Eliseu Visconti, na Pinacoteca, sem deslumbramento.
Seu pincel, volta e meia, se assemelha a uma carícia
Plena de tela.

Um beijo sempre demonstra o milagre da ternura.

Cada nu é um retrato do corpo sem deixar de ser um
Retrato da alma – superfície e polpa do pêssego.

Um olhar jamais deixa de ser a beleza do mundo,
Que não fica aquém dos olhos.

Uma aquarela não surge em vão,
Não surge sem o extremo domínio de matéria tão arisca:
E que limpidez de execução!

Uma suave técnica de pastel sobre papel traz a gratidão
Que só a chuva traz.
Traz a bruma humana que só a paz traz de mistério.

E por que não ser um pouco de sonho enquanto a vida não dá
Nem amplo espaço, nem ar?
E por que não se embevecer com a aurora voluptuosa de
Tão pura e feminina pele?
E por que não ser o esquecimento sereno de uma
Travessura entre os galhos do arvoredo?

É preciso dos anos para alcançar tal maturidade.
É preciso de tal maturidade para alcançar os anos.

Sem vigor, nada se cria.
Sem ardor, nada se torna existência.
Sem amor, nada se comunga entre a Melancolia e a
Alegria.

Algum tempo perante Visconti amansa as tensões,
Afaga os temores,
Amálgama coração e alma...

Não há cor sem frescor.
Não há cor sem calor humano.
Não há cor sem doce rumor.

Devo dizer que não pinta apenas: pinta para fazer valer a pena
O que se pinta.
Devo dizer que não se comove somente: faz vagante o mundo
Em sua mente.

Seduz porque a arte é sedução: ação murmurante.

Faz, bem sei, da luz penumbra de veludo.
Faz, bem sei, da penumbra luz confidente de tudo.
Seu pincel eterno sabe ser pantera, sabe ser lobo
Sem nenhuma hesitação de todo.

E é assim que vou adiante e até o fim:
Sempre algo distante de mim.
Sempre sem saber do fim de meu fim,
Para ser o que Visconti perfuma de jasmim...


Fábio Padilha Neves

Obs: Obra de Eliseu Visconti.