terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ao longo de mim, a música de Tom Jobim



Não sei ao certo quanto tempo durou, não sei ao certo quantos sonhos fui então, não sei ao certo quantas lágrimas resistiram em vão – não me perguntem, pois não sei... Houve, por certo, uma sequência que já não me lembro mais, assim como não lembro qual flor do jardim perfuma mais, assim como não lembro quantas gotas de chuva fui eu, assim como não lembro, tantas foram as ondas, qual trouxe frescor maior. Desculpem-me, mas não sei. Sei, talvez, que o pouco de Nara Leão que vi e ouvi, não vi nem ouvi sem emoção, não vi nem ouvi sem saber o que é permanecer em estado de graça, sem saber o que é permanecer em paz comigo próprio. Nem foi menos belo ouvir a voz de Maysa, enquanto, em seus olhos, tremulam o mar. Nem foi menos vibrante ouvir “Águas de Março”, enquanto Elis e Tom testemunham o motivo de haver vento e enlevo no mundo.




E a minha memória que sempre falha não falha em se lembrar de Frank Sinatra, e seu dom terno para cantar “Garota de Ipanema”. E, sem dúvida, sua extrema elegância para tornar suavidade o que, de algum modo, jamais deixou de ser suave; para tornar beleza o que, de algum modo, jamais deixou de ser belo. Sem lapsos, relembro também a delicadeza de voz de Stacey Kent – não sem uma mescla de carisma e inocência, não sem uma mescla de pólen e ar da tarde, não sem uma mescla de franqueza e pudor. Sim, bem sei que me lembro de Oscar Peterson ao piano, prestes a ser a doce gratidão das notas, prestes a não ser nem passado, nem futuro – mas, sim, a benção do presente. Sim, bem sei que vi e ouvi a “A música segundo Tom Jobim”; bem sei que chorei o que vi e ouvi do filme de Nelson Pereira dos Santos; bem sei que não amo sem ver e ouvir; bem sei que entre ver e ouvir, tanto vejo quanto ouço. Bem sei que, para a minha felicidade, apenas revejo o que vejo e ouço, de novo, o que ouço...

Fábio Padilha Neves




Obs: Fotos de Tom Jobim, Maysa e Stacey Kent.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Delírio pleno de beleza



Na vida, há momentos em que tudo é belo. Há momentos em que tudo merece a mais pura serenidade. Há momentos em que devo toda minha alma ao enlevo da arte. O que dizer então dessa exposição de Marcello Grassmann, no Espaço Cultural Citi? O que dizer desse arrebatador significado do mundo? Grassmann não pretende revelar apenas a Beleza: revela, não de outro modo, o relâmpago entre o belo e o feio. Revela, não sem mistério, a verdade entre o mel e o fel. Revela, jamais sem gana, o furor entre o lírico e o trágico. Traz à tona, aqui e ali, o que há de sublime em soberbas beldades da imaginação, diante do horror pestilento de um monstro ou peixe quase amorfo. Tal acontecimento não fica sem o lampejo radiante e feminino dos olhos. Não fica sem o frescor de orvalho dos lábios. Não fica sem o vigor primaveril dos seios. Não fica sem o ardor penumbroso da pele.




Grassmann desvenda a alma humana como se os vincos no metal fossem da mesma intensidade de um escultor rente ao mármore. Sempre prestes a deixar, para a eternidade, o traço irremediável, o traço irrevogável, o traço irrepreensível, o traço dos traços. Não teme, bem sei, a morte: não teme a escuridão absoluta, pois encontra no breu a condição luminosa de suas gravuras. Encontra na possibilidade noturna de suas figuras a aurora do luar. Encontra no derradeiro poder da noite a noite sem fim. Permanece firme: sem desistir da vida, sem evitar a morte – pleno de tempestade e bonança; pleno de vulcão e húmus; pleno de drama e alegria. Assim, venham ver obra tão impetuosa, obra, por sinal, tão desafiadora do cosmos!

Fábio Padilha Neves


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Dom dos olhos



Murmúrio pleno de nuances, a fotografia sempre recupera a minha alegria de viver. Altar de meus sonhos, detenho-me a cada passo da exposição de Steve Mccurry, no Instituto Tomie Ohtake, como se tudo fosse uma profunda peregrinação. Deixo que meus olhos sejam beatitude sem pressa. Assim que uma cor se destaca, respiro fundo. Assim que uma forma vibra, compreendo o valor de minhas pálpebras. Mccurry possui o feitiço dos grandes artistas. Apreende não apenas um momento do mundo, como também o mundo de um momento. Sabe, como poucos, ver a tragédia ao longo dos fatos. Sabe, como ninguém, ver a saudade ao largo de tanta beleza. Sabe, com lucidez, ser a memória intensa de um povo, sem deixar de ser o esquecimento tão comum que logo se segue, sem deixar de ser o tempo que já não mais se contempla, sem deixar de ser o lugar que já não mais perdura.




Viu, talvez, pela última vez, o olhar verde de uma moça em meio ao turbante – Sol brumoso. Viu, talvez, pela última vez, o encontro de algumas mulheres que se protegem de uma tempestade de areia – Primavera numa estufa. Viu, talvez, pela última vez, o cavalo a percorrer um vale – Ventania de crinas. Viu, com arrojo, o rastro de uma criança por entre uma fenda urbana. Viu, sim, um poente em chamas enquanto camelos perambulam sem alarde. Viu, sem dúvida, o que há de mistério, o que há de névoa numa cidade sagrada. Tais trabalhos são, a meu ver, uma bela maneira de ir além da mera casca da fruta, de ir além da mera superfície cotidiana, para, assim, se apoderar da doce ou amarga polpa da condição humana... Não percam.

Fábio Padilha Neves


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Três cartas - um mesmo amor



Jana, minha Linda, meu amor, sei que teu beijo é amor porque transborda de afeto: feito nascente de rio. Sei que teu olhar é amor porque nada é mais deslumbrante: feito doce luar. Sei que teu abraço é amor porque irradia calor: Sol ao longo do mar. Sei que tua pele é amor porque se desabrocha toda ao toque: pleno ardor da Primavera. Sei que tua alma é amor porque é, para a minha alegria, luz de sublime brilho: amanhecer do mundo. Sei que tua voz é amor porque se origina de cândido silêncio: perola que a concha, do fundo do oceano, lapida. Sei que tua respiração é amor porque o céu noturno não se contenta em ser apenas para um momento de tua vida: cintila enquanto houver teu precioso ar. Sei que teu amor é amor porque jamais se apoderou de mim tal sentimento: encontro de dois caudalosos rios. Beijos apaixonados, de seu algodãozinho. 08/01/12

Jana, minha Linda, meu amor, desprovido de ti, o ar não possui perfume. Sem você, o mar não possui onda. Desprovido de teu amor, nem sequer o Sol que é Sol brilha. Sem você, luar nunca houve. Desprovido de tua beleza, o rio chafurda em lama. Sem você, toda rua é sem saída. Desprovido de teu carinho, a raiz do arvoredo é rasa. Sem você, não há janela onde haveria casa. Desprovido de tua alegria, a chuva perde o frescor. Sem você, o relâmpago parece tão sem nexo. Desprovido de tua bondade, o bosque nada possui senão folhas secas. Sem você, já não se sabe o que é norte, sul, leste, oeste. Desprovido de tua discrição, o prego é torto para o quadro; o vento quando entra no quarto é frio; e em vez de belas frutas, só há pó e fruteira. Sem você, o fogo não anima as palavras. Desprovido de tua pureza, é o mesmo que tentar matar a sede por água – com leite. Sem você, é o mesmo que tentar matar a fome por comida – com chiclete. Desprovido de ti, nada sei o que sou, nem o que chega a ser um vir a ser... Beijos apaixonados, de seu galeguinho. 09/01/12

Linda, linda! É linda a mensagem meu Algodãozinho, (risos)! Muito obrigada, adorei, me senti lisonjeada! (risos) Nela senti todo o seu amor, todo o seu coração, seu carinho e doação, de poeta, de enamorado! Com você as horas são maravilhosas, a sua ternura perfuma o meu ar!! O som da sua risada me contagia com mais alegria! Adoro a sua presença! Beijos, de sua Jana. 10/01/12

Obs: Obra de Chagall