sábado, 23 de janeiro de 2010

O que é vão com ou sem gravidade




Estranho começar com este título, mas, sem dúvida, vai apontar mais adiante para o extremo mistério que é estar vivo e ativo, como estamos na imensidão do universo; tema que se torna perturbador nas mãos de Kubrick, ao realizar “2001 Uma odisséia no espaço”. Neste filme, desde o começo estamos a par do peso das coisas e de como um ancestral nosso lida com seu tédio inicial, restrito a comer e beber, até que um osso provoca um estalo mental que vai interferir para sempre em sua vida.
Curioso também notar o espanto sucessivo e, em diferentes graus, que ocorrerá diante daquele monólito que vai aparecer em muitos lugares onde o homem, no filme, se encontrará. Primeiro, o monólito será tocado com mãos hesitantes e um tanto histéricas de nossos ancestrais, segundo com mãos racionais e inquiridoras, mas não menos perplexas, do homem, já no espaço. E, assim, num rápido desenrolar do tempo que abrange séculos, Kubrick já traça certas características do ser humano com uma câmara quase sempre distanciada, que transmite uma peculiar frieza dos personagens, uma vez que, numa sigilosa viagem para Júpiter, os mostram menos sensíveis que a própria máquina que forjam.
Decerto, não é uma simples máquina, pois controla tudo o que se faz dentro da espaçonave. Decerto, aquele olho mecânico vê muito além do que imaginamos e sua voz não perde a serenidade um minuto sequer. Mas, veremos, a partir daí, um confronto entre homem e máquina e a que ponto a credulidade se desmancha e faz, a nós todos, incrédulos diante de nossos esforços em busca da perfeição. E é através do curso e transcurso daquela viagem a Júpiter que iremos descobrir que com ou sem gravidade, que aqui bem onde estamos ou lá longe onde mal divisamos tudo, por fim, pode se tornar em vão caso a vida seja apenas um desejo de alcançar justamente aquilo que sem perceber já tinhamos.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Uma performance memorável



Todo e qualquer instrumento foi feito para ser tocado e observado. Agora qual o músico que além de tocar, observa a si mesmo? Talvez seja esta a mágica de assistir uma apresentação de música, pois o músico está tão envolvido com o que faz que mal se dá conta das exigências físicas que a música demanda; e de como o corpo traduz de forma pungente a verdadeira afirmação da alma. Ficamos, sem dúvida, surpresos com a energia que mesmo contra todas as possibilidades o músico ainda encontra para chegar a uma boa conclusão de seu trabalho.
Yo-Yo Ma é um grande exemplo disso, pois seu violoncelo vibra denso e demora nas notas, enquanto faz seu arco percorrer a vastidão de suas cordas, além de distender o tórax para trás achando assim a melhor postura para investir mais uma vez sobre o instrumento, sempre numa busca pelo corpo a corpo com o violoncelo, tendo a substancial experiência que só a intimidade traz. Com efeito, Yo-Yo Ma trabalha como se fosse um domador de leões e, decerto, pelo porte de tal animal bem se sabe que não vai ouvir miau. Bem se sabe que enquanto houver as cordas de um violoncelo nada poderá calar tal homem e que a vida, até em seus últimos momentos, deve ser atravessada pela densidade de seu som, uma vez que a música é ainda a melhor resposta para o silêncio.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A precisão de Amilcar de Castro




Amilcar sempre foi conhecido por suas esculturas que possuem uma solidez e quase aspereza que lhe são peculiares e mesmo que mude de material, ainda assim perpetua suas principais características, haja visto os trabalhos que executa em litogravura, pois, por mais que se perceba o uso de largos pincéis e uma tinta especial que se esparrama deixando seu rastro, ainda assim o domínio de suas qualidades plásticas e o vigor geométrico que se cria, possibilita ardentes correspondências entre suas faixas negras.
São faixas de densa consistência que absorvem as regiões brancas para dentro de seus espaços, mas de tal modo equilibradas que nenhum detalhe é mais ou menos importante. E, sem dúvida, à medida que se apodera do verdadeiro valor dessa linguagem, tem o poder de suscitar silêncios permeados pelo som inequívoco e preponderante de um violoncelo, tal é a impressão que suas gravuras sugerem.
Decerto, há momentos em que as faixas se imbricam de um modo tão intrincado que quase se perde para sempre o lampejo de branco que ainda ali distinguimos, como se o artista conhecesse as forças abruptas de um buraco negro que traga a luz de estrelas incandescentes. Com o tempo, aquela solidez que antes se conhecia só através de suas esculturas, passa a ser discernível com total veemência em suas gravuras, uma vez que cada “rasgo gráfico” se afirma sem a mínima fragilidade e hesitação, pois se Michelangelo via a materialidade escultórica do mármore em tudo o que fazia; Amilcar, não menos intenso em seus projetos, arranca de cada um de seus trabalhos gráficos uma solidez de formas própria do ferro.