segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O que fica de nós dois



Acredito que toda a carta de despedida vai surgindo aos poucos, enquanto a memória recorda cada gesto de delicadeza que existiu entre nós. No último momento que te vi, desejei olhar de relance, mais uma vez, para o interior de sua casa, ali, bem ali, onde você deixou sua sapatilha, ali onde seus brincos sempre se encontram, no espaldar do sofá, ali onde te tive em meus braços, e cada detalhe teu ainda me faz feliz. Talvez ainda reste o peso de meu corpo sobre os travesseiros, talvez quando entrar pela cama o tamanho dessa será demais, talvez seu ouvido tenha, por um momento, se acostumado com a calidez de meu braço, talvez meus olhos tenham entendido os seus mesmo na penumbra... Talvez minha boca tenha aprendido o verdadeiro silêncio com a sua... Talvez seus cabelos sejam o que faltava eu descobrir da primavera... Meus ouvidos, sem dúvida, vão sentir falta de sua voz, da louca ternura que é te ouvir sorrir, da sua respiração, aquele mar calmo que não tem fim... Minhas narinas serão mais sensíveis à dama da noite, e a qualquer flor noturna que se esconda nas curvas do tempo e me lembrem o perfume do teu nome. Não me esquecerei das vezes que abriste a porta interna do meu carro para que eu entrasse. Não me esquecerei o lance de degraus do seu prédio que descia para te encontrar, e a euforia de te ver à porta a me esperar. Não esquecerei o seu beijo, o modo como ardentemente pressionava os meus lábios junto aos seus - aquela tessitura macia que mudou meu jeito de sentir minha própria pele. Não me esquecerei o primeiro sorriso que me deste no cinema do Mube, e que desde então me faz tão bem. Ficarei com saudade de suas mensagens e da felicidade que tinha em ti mandar uma... Mesmo que seja uma carta de despedida, sei que minha vida se enriqueceu com o fato de ter a ti por perto, e que se não pude atravessar todo o oceano de tua existência, ao menos pude conhecer o frescor de tua alma e, decerto, dar boas braçadas ao longo da extensão costeira de suas águas... Jamais esquecerei o modo como me fez feliz, e por mais curto que tenha sido nosso namoro, nada substitui o ardor sincero desses pequenos longos momentos...

Beijos nessa boca que já foi minha,

Fábio.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Uma crítica à estreiteza cultural

Se há algum trabalho que, decerto, faz uma crítica mordaz à nossa vida política, não se pode deixar de falar sobre o trabalho de Felippe Moraes. Quem, senão ele, foi capaz de a partir de um mínimo espaço, trazer tantas reflexões? Felippe descobre que certos trabalhos são feitos para certos lugares, que um lugar já sugere uma atmosfera, própria para uma imaginação que fermenta algo latente e pleno de sugestões.
Nada é tão vívido como entrar em sua estreita sala onde a primeira sensação táctil vem dos pés, parcialmente, soterrados pela areia que divide espaço com folhas esparsas e de aspecto triste, alienadas de sua condição natural, o livro. Por certo, uma sombria imagem de como as palavras e seu legado são tratadas com descaso. E mesmo o fato de haver uma harmonia de arranjo entre as folhas da parede, mal sabemos, porém, qual vai ser a próxima a permanecer, indefesa, no chão. O artista soube colocar de tal forma as folhas, que temos curiosidade de observá-las, mesmo que sejam um tanto desconexas, muito porque, na verdade, não se quer narrar uma história com começo, meio e fim; talvez porque na história de nosso país haja mais hiatos e pontos obscuros que uma verdadeira sensação de continuidade.
Portanto, é aquela areia revolvida, aquela opressão sem janelas, aquelas lâmpadas ofuscantes que, ponto a ponto, são parte de nosso Brasil, é tudo aquilo parte de algo que condiz com nossa realidade, e, por mais que o nosso território seja imenso, é ali, naquele pequeno espaço, que vamos encontrar a estreiteza da mentalidade da maioria daqueles que nos governam...