terça-feira, 24 de novembro de 2009

Do branco e para o branco





Os trabalhos de Áurea são de uma sutileza plástica curiosa, pois a imagem surge de acordo com as texturas presentes, e vale notar que o círculo vem sempre como tema. Decerto, sentimos que a imagem se insinua e que emerge do branco de uma forma delicada e suave. E muito da força de seus trabalhos decorre da correspondência entre as três obras, de suas diferenças, como se cada uma fosse o preparo para a seguinte, embora também se sustente por si mesma. Com efeito, o último dos trabalhos apresentados revela um aprofundamento da poética, uma vez que o círculo continua branco sem granulações em torno ou dentro, o que provoca uma nuance refinada, onde o que vale é a sugestão. Áurea trabalha no limite entre o perceptível e o quase imperceptível.

Obs: Fotos de Héctor Guiñez

Visões de uma árvore





De todas as formas naturais, a árvore sempre teve um fascínio especial para os seres humanos, pois não só nos oferece frutos como também faz pender seus largos galhos, de modo que suas folhas produzem aprazível sombra. Embora isso seja verdade, Marina segue o caminho de valorizar a espacialidade de uma árvore sem termos o corpo vigoroso da árvore propriamente dita. Sua instalação possui grande porte, com grandes painéis semicirculares e um detalhe fundamental: sobrepostos; o que proporciona um volume plástico que sugere o adensamento peculiar às árvores. Outro fato importante é que cada painel possui certa distância dos outros, de maneira que se pode percorrê-los e assim ser tragado por sua grandiosidade e por sua vegetação exuberante (a árvore é uma figueira-branca). E é interessante notar como o policarbonato transparente possibilita a visão dos outros painéis, provocando, dessa forma, tramas verdejantes, que juntas enriquecem o efeito final do trabalho. Diante disso tudo, Marina mostra que através da instalação, se pode recuperar valores que só encontramos quando a árvore é real.

Obs: Fotos da própria artista.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Um estrangeiro na Bahia

Sempre quando encontro um estrangeiro, no museu, em que trabalho, peço para ver suas fotos, uma vez que gosto de olhar o que, talvez, já vi, através de outro olhar, como se ele me mostrasse um novo caminho para se chegar ao mesmo lugar. Fico, também, ainda mais curioso quando algum estrangeiro decide morar longe de sua terra natal, tal a paixão e identidade que cria com o país que conheceu, e é isso o que acontece com Jamie Stewart-Granger, e o que pode ser chamada de sua Bahia (numa exposição curta que ocorre no MuBE).
De todos os lugares que podia retratar, quis o mais simples. De todas as praias que fotografou, parece ter a intenção de fugir da badalação. Seu foco – e que destreza no enfoque! – são as pessoas que vivem a beira-mar, onde o tempo é medido e desmedido pela arrebentação das ondas, onde o sorriso das crianças brota natural e faceiro; e o mar extenso como só ele pode ser, este que jamais secará e cujo sal por muito tempo ainda vai apurar nossas peles, uma vez que sempre nos fascina por seu eterno marulhar.
Decerto, Jamie não apenas transmite a alegria dessa região, como também o que há de dramático nessas vidas, de um modo tão intenso, que mal podemos conter a emoção que o olhar dos idosos, de um para outro, nos desperta, pois a vida inteira dos dois parece passar por aquele olhar. Quanto ao poder plástico, ele vem sempre bem equilibrado na disposição espacial, na intensidade da luz, até porque Jamie demonstra ter larga experiência com fotos em preto e branco, pois, com efeito, procura aproveitar todas as nuances, entre aquela gama de cores, necessárias para suscitar a exuberância da região. Por fim, desconfio seriamente que se Dorival Caymmi pudesse ver estas fotos, ficaria com uma vontade irrefreável de cantar...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Paisagens para se ver de cima

A paisagem não é um tema novo entre os artistas; muitas vezes foi e é motivo de admiração e, decerto, nas mãos de um artista original, pode se tornar surpreendente. E é isso o que ocorre com Fotos Aéreas – Roma-Capri de Kika Lerner no Mube, pois através de uma radical mudança de ângulo, ela muda a forma de enxergar a natureza.
Quando se viaja de carro percebemos, vez por outra, uma sucessão de planícies e vales onde as linhas curvas convergem para um todo harmônico, de um modo sempre generoso e pleno de suavidade. Em contrapartida, Kika descobre que uma viagem aérea está repleta de vislumbres como podem ser vistos nos caminhos ousados das estradas cercadas por vegetações e rios que atravessam a paisagem com um vigor convicto de seu fluxo incessante.
Kika, sem dúvida, nota como a natureza, vista de cima, possui formas geométricas que se destacam por sua ordenada composição. E o que mais nos deixa embevecidos é a sua lúcida consciência desse espaço e a vivacidade de cores que se encontram nessa região da Itália. Quanto mais olhamos o seu trabalho, mais nos convencemos de sua ágil capacidade de apreender o refinado equilíbrio dos campos de cor, sendo que muitas fotos chegam a ser quase abstratas, se não fosse a presença ocasional de árvores e montes de feno.
Outro fato importante diz respeito à superfície peculiar desses lugares, uma vez que é percorrido por vibrações de cores, sendo que o amarelo partilha com o verde a mesma qualidade plástica, assim como a cor terra com o amarelo. Com efeito, a cor pulsa sem nunca ser percebida de uma forma homogênea, pois, mesmo que sejam fotos, quase sentimos a sua textura. Kika Lerner expõe assim uma nova maneira de observar a paisagem, não menos intensa do que ser vista em perspectiva.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Através do fio do tempo



Tudo o que compreende a existência está fadada a um fim e por mais que sejamos jovens ou não, não sabemos quando virá ao nosso encontro. Não falo nenhuma novidade e nem é novo o fato de que a dor da perda está presente na vida de todos. E quando não é a morte, pode ser o fim de um sentimento ou, às vezes, o começo do esquecimento. Sendo assim a vida, não podemos deixar de notar a maneira como objetos que já tiveram algum valor se tornam sem serventia. E em outro extremo, vemos pessoas que guardam coisas sem nenhum valor material, mas de grande valor emocional. Decerto, Adriana, através de um gesto de carinho e zelo reúne elementos esparsos da vida de outras pessoas e também da sua, para evocar o passado em toda a sua marcante presença. As duas peças aqui presentes, pelo formato, parecem uma janela, mas que não deseja nos levar mais além, até onde a vista alcança e sim mostrar como cada objeto que há nela, cada fina trama de tecido, cada relógio antigo possui um valor afetivo que foi feito para permanecer entre nós, pois a memória contida nas coisas dura enquanto houver nas pessoas uma sensibilidade para afirmar a vida em toda a sua magnitude. Que haja sempre trabalhos que tenham esse poder de plasmar a vida de maneira tão pungente, capaz como é de construir de forma tão delicada uma obra que, às vezes, por indolência deixamos de construir na nossa alma...

Obs:Fotos de Marcia Gadioli