sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Uma carta com carinho



Jana, minha Linda, meu amor,

nada mais daquela conversa

que tivemos vou analisar,

pois, como a ternura e respeito

que um tem pelo outro,

será sempre mútua,

embora, por uma série de questões,

tenham ocorrido nervos exaltados,

mais uma vez sinto profundamente

que em nosso namoro predominou 

uma dignidade rara.

Um querer e amor muito especiais,

cativantes por toda a vida.

E então quero me deter na despedida,

numa hora escura, sem estrelas, nem luar a vista,

uma noite fria, decerto um abraço meio desajeitado,

um olhar de um para outro, num lusco-fusco,

sem nenhuma luz de sol, e ainda um incerto instante em que

não pude sentir bem o perfume de seus lábios,

assim como ao mesmo tempo talvez

eu tenha ouvido o latido da Neguinha, bem de longe,

entre a hoje não tão forte algazarra dos cães,

e ali entre eu e você alguns beijos meio deslocados,

e por certo um tanto perdidos, na medida em que

mal toquei de fato em teus cabelos,

num pele a pele que teve, sim, que teve,

que bem sei que de algum modo teve,

além do momento de ver você no portão,

tudo de um modo tão absurdo para mim,

e claro para ti também,

talvez pelo fato de que, por mais

que tenha sido uma despedida

que jamais imaginávamos,

assim, e de repente, assim, aconteceu.

Posso ao menos ter a humilde crença

de que na memória, nela, e sempre nela,

as coisas foram diferentes.

E tanto eu como você sabemos...

Beijos apaixonados,

de seu galeguinho.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

DVD Sambô, aconselhado por mim e o Aécio



Boa, Aécio, meu amigo, estou ouvindo
aqui em casa, pela manhã, enquanto ainda não saio
para ir mostrar um projeto meu num lugar
aonde quero dar oficinas, mas logo de cara
gostei do ritmo dos caras, da suavidade,
só estou ouvindo os músicos,
sem olhar o vídeo, reparando na cadência,
a primeira foi mais calma, e a segunda
de um jeito mais agitado,
sem perder um balanço e alegria legais.
O vocalista tem uma voz segura,
manja mesmo, a terceira
no começo já vem com tudo,
de repente muda, e fica
mais vertiginosa,
legal a batida,
e Aécio, meu amigo,
os caras arrebentam.
Há também uma união bacana deles todos na voz,
quando todo mundo canta.
E vou dizer uma coisa, Aécio, ouvir
como estou ouvindo, pela manhã essas músicas,
já dá um bom gás para começar bem o dia,
meu amigo, obrigadão pelo e-mail,
com o vídeo desse pessoal,
vou pôr no meu blog,
com um link para os meus outros amigos,
para assim compartilhar também com eles.

Grande abraço,

Fábio.

domingo, 18 de agosto de 2013

Um não mero ofício de Fabrício




Fabrício é engraxate, uma criança em torno de nove anos, que fica em dias variados da semana, mas, pelo que me disse, com bastante frequência, bem ao lado de uma banca de jornal, ali não tão longe da esquina da avenida Paulista com a rua Augusta. Estuda ao longo da semana, até mais ou menos umas onze e meia, almoça, e depois vai para onde disse, tem mais cinco irmãos, um menino ou uma menina em fraldas, os outros talvez maiores, aqui e ali, também trabalham tal como podem. E o Fabrício é engraxate. Depois de ter me contado um pouco sobre si mesmo, quis de algum modo ajudar com dinheiro, mas achei melhor de outro jeito. Como sou jornalista cultural, falei para o Fabrício que ia comentar um pouco a sua história para as pessoas que passavam, e assim ver se alguém podia ajudar.

Quem abordei de começo foi um casal jovem, foram muito solícitos, e quando disse a eles que o Fabrício sempre pedia três reais, mas fazia o serviço talvez por dois reais, eles disseram, ou melhor, o dinheiro a princípio era só o da moça, que seria em forma de ticket: cinco reais. O Fabrício aceitou, e então ele foi para um canto perto da vidraça de um Banco, e começou o seu trabalho na bota da moça. Como talvez essa maneira inusitada de amizade entre eu e o Fabrício fosse quiça suspeita, duas policiais se aproximaram de maneira circunspecta, não tão longe, não tão perto, de mim, do Fabrício, e do casal. Expliquei então o que estava acontecendo para as duas policiais, acredito que compreenderam, e até elogiaram a atitude, e depois que acabou de realizar o seu trabalho com esmero, o rapaz que estava com a moça deu, além do ticket dela, mais três ou quatro reais em moeda.

Teve também uma educadora que ouviu a história, foi sacar dinheiro, e depois voltou, e enquanto um e outro conversavam, dei uma saída, e na volta, ela tinha feito uma pergunta sem que eu ainda disso soubesse. Fabrício era de Guaianazes, e que levava um certo chão. Tinha uma meio adolescente com uma criança de colo por perto, mais pedinte do que talvez para vender algo, que às vezes se aproximava de mim, ao notar a minha ajuda ao Fabrício. Dei para ela dois reais, mas, no fundo, o meu intuito era ajudar mais o Fabrício. Dizia para as pessoas que não era necessário ajudar exatamente naquela hora. Caso um dia viesse a vontade, ele estava sempre por lá. Teve uma hora que aconselhei o Fabrício a não se importar muito com as pessoas que aparentam riqueza, mas, sim, àquelas sensíveis. E disse que ele perceberia aquilo pelos olhos, tais como os meus, de fato falei. No que ele disse: "Mas os seus são bem sérios". Aí como surgiu essa questão, respondi para ele: "Em alguns momentos, Fabrício, é preciso ser sério, para que percebam a verdade do que você fala, entendeu?". Acho que de algum modo entendeu.


Num dado momento em que parei duas meninas para conversar sobre o Fabrício, um rapaz negro, de olhos um tanto severos, me parou para contar um pouco a sua história. As meninas até ouviram um instante a nossa conversa, mas em seguida foram embora. Paulo é o nome dele, e muito ciente da sua condição social, falou que pelo fato de ter sido preso, e no que falou, uma teve razão por tráfico, a outra que foi por assalto ele disse que se enganaram, afirmou então para mim que por tudo isso ele não consegue emprego. Pelo que entendi ele ia até fazer um bico naquele dia, mas souberam que ele já foi preso, e assim não aconteceu. Ele tem um filho, acho que de oito meses, que fica com alguém que cuida, pois a mulher o abandonou, e ele sai às ruas para contar a sua história. Ao mesmo tempo, faz uma análise da nossa sociedade, em alguns casos, hipócrita, e tudo o que ele deseja é uma oportunidade. Dei cinco reais para ele, no que me disse que com aquele dinheiro ia comer. Em dado momento comentou comigo que eu podia perceber que ele não tinha dito nenhuma gíria, apenas uma hora falou "mano". Olhei bem para ele, e disse que ele podia me chamar não só de mano, como também de irmão, no que ficou agradecido. Disse para ele que admirava muito a sua cor, aliás, a minha namorada é negra. E ele partiu, eu voltei para perto de Fabrício, mas algo ficou. Logo depois disse que tinha que voltar para casa, pois ainda ia me encontrar com o meu amor. E também me despedi do Fabrício. Como estou sempre por lá, ainda espero encontrá-lo, e faço questão de comprar um par de sapatos de couro, não caro, e dar um par para ele, e o outro para ficar comigo, nem precisa engraxar, Fabrício.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Meu dia hoje





Jana, minha Linda, meu amor,

Vou te contar alguns fatos do meu dia hoje.

Os que mais me marcaram.

Primeiro, um pouco antes de sair de casa,

como o namoro já havia acabado,

resolvi tirar a aliança.

Sabe o que eu tinha feito com a aliança da Neide?

Colocado numa caixa dentro de uma gaveta com inúmeras

coisas dispersas. Sem nenhuma relação umas com as outras.

Sabe o que fiz com a de nosso namoro?

Fui na gaveta onde a minha mãe guarda as caixinhas dela

e peguei uma que eu acredito ter a cor de seus lábios,

e uma flor, toda esculpida, com esmero e amor.

Coloquei em cima da minha escrivaninha onde bate sol,

e pedi para o pessoal de casa que sempre deixasse lá.

Talvez você não possa imaginar com que olhos

eu fiquei a mirar a caixinha.

Mas posso dizer que o choro foi sincero.

Outra cena que me marcou muito foi que

pelo fato de ter ido à Livraria Cultura,

para declamar aquela última poesia que fiz para você no blog,

vi à minha frente um casal jovem, o nomes nunca me esquecerei:

Arthur e Letícia.

E assim ambos com dois meses de namoro, expliquei a minha situação.

Eles deixaram que eu lesse para eles aquela poesia.

Olhei muito para os olhos do Arthur, e vi um rapaz deveras sensível.

E por certo acredito que, por mais jovem que ele seja, há ali um escultor.

E eu torço muito para que o namoro deles vá muito longe.

Sentiram o meu pesar em cada palavra, chorei até mesmo,

embora tenha mantido na medida do possível a segurança na voz.

E sabe qual o fato de eu ter chorado ainda mais depois,

em outro lugar, quando se foram?

Ele pode continuar esculpindo, e eu não.

Te amo, minha Linda!

Beijos apaixonados,


De seu galeguinho.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Para Bárbara e Hanna




Hanna, minha querida irmã, você sabe como o seu irmão foi por toda a vida relapso, então, me diga depois se escrevi o seu nome errado, ok? Bom, como irmão relapso eu tinha que me redimir, e cá estou em seu blog, e eis que descubro o quão irmã você é, por certo, minha irmã de alma. Relapso, já sem lapsos, pois em todas as poesias que li, e eu li todas, percebo uma irmã de sensibilidade e sabedoria maravilhosas. Tenho que me redimir, minha irmã, não tenho outra saída. Seu irmão tão perdido na vida agora te encontrou. E como irmãos que nunca tinham se visto antes, nem nos olhos, nem em poesia, já era hora. Uma hora não mera hora, um tempo não mero tempo, uma hora e um tempo mais tempo que muito tempo, mais hora que muita hora. Um irmão meio louco, você há de convir. Mas irmão de coração. Que vê na irmã não uma poeta de futuro, muito pelo contrário, uma poeta que conjuga todos o tempos com beleza. Com verdade, no seu sentido mais profundo. Irmã, cuja vida não importa se ainda eu veja um dia, será sempre irmã. Um irmão relapso, sim, entre a loucura e a lucidez, mas talvez agora por ter mais uma irmã, pois todo o amigo e amiga de alma são para mim irmãos, me faz crer que agora com teus escritos sou menos delírio e mais são. Quanto à minha nova mãe que, por sinal, nem falei até o momento, posso dizer que meus olhos de filho, zeloso, na fila, na exposição, já bastam. Mãe não é a maior retórica do coração que existe no mundo, como diz, acredito eu, Machado de Assis? Pois bem, os meus olhos de filho também. Beijos para ambas, e prometo não fugir mais de vossos corações de mãe e irmã, Fábio.


Blog de minha irmã: http://cancioneirinho.blogspot.com.br/


Obs: E vai para a minha mãe, Marê, te amo, viu? Senão dá ciúmes, me entendem?

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O que um olhar faz



Um olhar, e eu digo quanto ao olhar
que dirijo ao meu amor, além de olhar,
é forma de esculpir a sua alma.

Desde o primeiro momento eu sabia
que não era qualquer material,
pois há aqueles que não são feitos para durar,
e a alma de meu amor era mármore bruto,
pois quando o amor começa, em alma bela,
tudo é mármore bruto.

E não se realiza de imediato,
demora anos, mas no primevo desbaste
já se conhece o escultor.
E a qualidade de amor que engendra.

Tanto que a partir dali,
enquanto estiver comigo,
seja que outro homem
talvez surgir por seu caminho,
os seus olhos não serão olhos.
Estarão voltados para o primor subterrâneo,
e apenas palpável para ela e o próprio escultor, eu.
Pode até olhar, no entanto,
para ela não haverá desbaste.

E para onde ela for
a luz que entra em sua alma
será tão-somente para enxergar melhor
a porosidade singular
da própria densa substância.

O mundo ao redor será
alvorecer, entardecer e anoitecer,
cada qual para demonstrar
o significado da escultura
ser tridimensional.

Seu escultor não só desbasta,
também tateia a pedra,
e reconhece nas mãos o valor dela,
sabe que pode haver golpes imprecisos,
embora sempre haja critério,
nem por isso deixa de aprender
a cada dia com o seu exclusivo ofício.

Se dá voltas na mesma pedra
para encontrar sutis ângulos
é pelo fato de descobrir,
aqui e ali, o insólito
que precisa de mais apuro.

Há obra final?
Que eu saiba não.
Pois eis uma obra inconclusa.

Claro que todo o escultor
não é um típico escultor.
Cada um possui o seu estilo.

Há mais de uma escultura
numa mesma alma?
Talvez. Mas há aquelas
que sugerem mais ternura.
Apagar aquela feita
com profundo amor
jamais é possível.
Que porventura fique
em algum canto esquecido,
não quer dizer que repentina luz
não lhe venha à tona.

Muitos e muitos anos
com ou sem o seu amor
estará, sem dúvida, lá.
Em dias de tempestades e borrascas,
em dias de sóis e primaveras,
em dias de folhas secas e névoas,
em noites de melodias e luares,
com certeza estará sempre lá.

Por toda a vida lá.

Os olhos dela poderão morrer
um dia, e ainda assim
estará lá.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Budismo um tanto às avessas




Verônica, tal como o próprio nome, é em tudo verdadeira. Fala o que pensa. Sempre foi assim. E desde criança o pai reclamava da postura dela ante as visitas. Perscrutava cada rosto e gesto a procura da alma. Queria entender a psicologia dos outros. Não à toa, eis uma área acadêmica que frequentou por um tempo. Devo dizer que o seu nome é a única coisa fictícia do texto. De resto, é tal qual ouvi, é tal qual escrevo. Que nome melhor poderia ser senão Verônica? Sigiloso é o nome verídico, para assim preservá-la. Não que, no fundo, fosse lhe magoar. Mas toda a verdade é verdade. Verônica, com seus lindos sessenta e sete anos, possui carisma singular. Antes dizia: "Vai com Deus". Hoje diz na despedida: "Boa sorte", como, acredito eu, todo bom budista. Vai quase uma vez por semana ao Hospital das Clínicas. Mesmo quando não precisa. E quem faz esse serviço de levá-la é o seu namorado. Quem afinal trabalha para um vereador da Grande São Paulo. Nove anos mais novo que ela, e também frequentador do budismo, tem o costume de dar nela muitos perdidos. Tem dia que ela, desgostosa, nem lê o Daimoku. Ela, além de ter o pequeno santuário de meio metro na parede, nunca se livrou do São Jorge que o pai lhe deu. Dorme três horas por dia. Por causa dos problemas de saúde. E sabe de onde mora, e por onde o avião chega, seja dos lados do cemitério, seja dos lados de sua casa, o quanto o pouso da viagem que ali finda se origina do norte ou do sul.


Depois que foi internada, bem depois dos tubos e do drama, Verônica ainda canta ópera. Por telefone, a meu ver, não desafina. Muito exigente consigo própria, ela diz que sim. De repente, numa ária, enfatiza a palavra "Menzognero", de um modo a princípio lírico, e que em seguida me revela: "Acho que vou cantar para ele. Significa mentiroso", me confessa. Estão juntos a mais ou menos quatro anos. Foi ele que a apresentou ao budismo. Ele segue religiosamente as orações duas vezes ao dia. "Talvez devido aos pecados", ela assevera. Ultimamente ele pega a perua que guarda na casa da própria Verônica, e vai embora rápido, num café de no máximo cinco minutos. Gaúcha como só ela é solta os cachorros para cima dele. Tantos são os palavrões que, quando se dá conta, já ocorreram, a despeito de qualquer "Namu myo hou rengue kyo". Bem sei que em seu olhos verdes cintila uma constante ternura. E na morte de um amigo tentou ligar para umas trinta pessoas. Ninguém atendeu. Sofre, aqui e ali, de depressão, embora poucos tenham um bom humor como o seu. À medida que fala do ex-marido abaixa a voz. Ele mora nos fundos de seu quintal, e convalesce de um câncer voraz. Verônica, para espantar a solidão, mora com uma cadela que lhe faz companhia. Esta emagreceu, e quase partiu daqui deste mundo, na época em que ela estava hospitalizada. Basta que Verônica saia para que a cachorra fique aturdida. Mulher que morou certo tempo no interior do estado, ela tinha súbitas vontades de ver a família no sul. Partia. Como se fosse bem perto. Dois guardiães caninos zelavam por seu sono na estrada, nas necessárias paradas. Manda mensagens de amor e sabedoria para os amigos com a mesma alegria de quem vê os pampas. Na última vez que a vi, a nutricionista fez uma série de perguntas a respeito do dia a dia no que se refere à comida. E pelo que notei, Verônica seguia à risca a dieta. Pouco tempo depois, eu e ela devorávamos plenamente o que Buda e Deus jamais receitariam.