Fabrício é engraxate, uma
criança em torno de nove anos, que fica em dias variados da semana, mas, pelo
que me disse, com bastante frequência, bem ao lado de uma banca de jornal, ali
não tão longe da esquina da avenida Paulista com a rua Augusta. Estuda ao longo
da semana, até mais ou menos umas onze e meia, almoça, e
depois vai para onde disse, tem mais cinco irmãos, um menino ou uma menina em fraldas, os
outros talvez maiores, aqui e ali, também trabalham tal como podem. E o
Fabrício é engraxate. Depois de ter me contado um pouco sobre si mesmo, quis de
algum modo ajudar com dinheiro, mas achei melhor de outro jeito. Como sou
jornalista cultural, falei para o Fabrício que ia comentar um pouco a sua
história para as pessoas que passavam, e assim ver se alguém podia ajudar.
Quem abordei de começo foi
um casal jovem, foram muito solícitos, e quando disse a
eles que o Fabrício sempre pedia três reais, mas fazia o serviço talvez por
dois reais, eles disseram, ou melhor, o dinheiro a princípio era só o da moça,
que seria em forma de ticket: cinco reais. O Fabrício aceitou, e então ele foi
para um canto perto da vidraça de um Banco, e começou o seu trabalho na bota da
moça. Como talvez essa maneira inusitada de amizade entre eu e o Fabrício fosse
quiça suspeita, duas policiais se aproximaram de maneira circunspecta, não tão
longe, não tão perto, de mim, do Fabrício, e do casal. Expliquei então o que
estava acontecendo para as duas policiais, acredito que compreenderam, e até
elogiaram a atitude, e depois que acabou de realizar o seu trabalho com esmero,
o rapaz que estava com a moça deu, além do ticket dela, mais três ou
quatro reais em moeda.
Teve também uma educadora
que ouviu a história, foi sacar dinheiro, e depois voltou, e enquanto um e
outro conversavam, dei uma saída, e na volta, ela tinha feito uma pergunta sem que eu ainda disso soubesse. Fabrício era de Guaianazes, e que levava um certo chão. Tinha uma meio adolescente com uma criança de colo por perto, mais
pedinte do que talvez para vender algo, que às vezes se aproximava de mim, ao
notar a minha ajuda ao Fabrício. Dei para ela dois reais, mas, no fundo, o meu
intuito era ajudar mais o Fabrício. Dizia para as pessoas que não era necessário
ajudar exatamente naquela hora. Caso um dia viesse a vontade, ele estava sempre
por lá. Teve uma hora que aconselhei o Fabrício a não se importar muito com as
pessoas que aparentam riqueza, mas, sim, àquelas sensíveis. E disse que ele
perceberia aquilo pelos olhos, tais como os meus, de fato falei. No que ele
disse: "Mas os seus são bem sérios". Aí como surgiu essa questão,
respondi para ele: "Em alguns momentos, Fabrício, é preciso ser sério,
para que percebam a verdade do que você fala, entendeu?". Acho que de
algum modo entendeu.
Num dado momento em que
parei duas meninas para conversar sobre o Fabrício, um rapaz negro, de olhos um
tanto severos, me parou para contar um pouco a sua história. As meninas até
ouviram um instante a nossa conversa, mas em seguida foram embora. Paulo é o nome
dele, e muito ciente da sua condição social, falou que pelo fato de ter sido
preso, e no que falou, uma teve razão por tráfico, a outra que foi por assalto
ele disse que se enganaram, afirmou então para mim que por tudo isso ele não consegue
emprego. Pelo que entendi ele ia até fazer um bico naquele dia, mas souberam
que ele já foi preso, e assim não aconteceu. Ele tem um filho, acho que de oito
meses, que fica com alguém que cuida, pois a mulher o abandonou, e ele sai às
ruas para contar a sua história. Ao mesmo tempo, faz uma análise da nossa
sociedade, em alguns casos, hipócrita, e tudo o que ele deseja é uma
oportunidade. Dei cinco reais para ele, no que me disse que com aquele dinheiro ia
comer. Em dado momento comentou comigo que eu podia perceber que ele não tinha
dito nenhuma gíria, apenas uma hora falou "mano". Olhei bem para ele,
e disse que ele podia me chamar não só de mano, como também de irmão, no que
ficou agradecido. Disse para ele que admirava muito a sua cor, aliás, a minha
namorada é negra. E ele partiu, eu voltei para perto de Fabrício, mas algo
ficou. Logo depois disse que tinha que voltar para casa, pois ainda ia me
encontrar com o meu amor. E também me despedi do Fabrício. Como estou sempre por
lá, ainda espero encontrá-lo, e faço questão de comprar um par de sapatos de
couro, não caro, e dar um par para ele, e o outro para ficar comigo, nem precisa
engraxar, Fabrício.
Quantas histórias se entrelaçcando...e no fundo um sentimento em comum, a generosidade de se doar a alguém, dando um pouco do seu tempo para minimizar sofrimentos.
ResponderExcluirValeu, Fábio
Um abraço. Áurea
Áurea, poxa, minha querida amiga, obrigado por seu comentário tão sensível. Me emocionei de verdade com ele. Grande abraço, de seu amigo Fábio.
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