domingo, 18 de agosto de 2013

Um não mero ofício de Fabrício




Fabrício é engraxate, uma criança em torno de nove anos, que fica em dias variados da semana, mas, pelo que me disse, com bastante frequência, bem ao lado de uma banca de jornal, ali não tão longe da esquina da avenida Paulista com a rua Augusta. Estuda ao longo da semana, até mais ou menos umas onze e meia, almoça, e depois vai para onde disse, tem mais cinco irmãos, um menino ou uma menina em fraldas, os outros talvez maiores, aqui e ali, também trabalham tal como podem. E o Fabrício é engraxate. Depois de ter me contado um pouco sobre si mesmo, quis de algum modo ajudar com dinheiro, mas achei melhor de outro jeito. Como sou jornalista cultural, falei para o Fabrício que ia comentar um pouco a sua história para as pessoas que passavam, e assim ver se alguém podia ajudar.

Quem abordei de começo foi um casal jovem, foram muito solícitos, e quando disse a eles que o Fabrício sempre pedia três reais, mas fazia o serviço talvez por dois reais, eles disseram, ou melhor, o dinheiro a princípio era só o da moça, que seria em forma de ticket: cinco reais. O Fabrício aceitou, e então ele foi para um canto perto da vidraça de um Banco, e começou o seu trabalho na bota da moça. Como talvez essa maneira inusitada de amizade entre eu e o Fabrício fosse quiça suspeita, duas policiais se aproximaram de maneira circunspecta, não tão longe, não tão perto, de mim, do Fabrício, e do casal. Expliquei então o que estava acontecendo para as duas policiais, acredito que compreenderam, e até elogiaram a atitude, e depois que acabou de realizar o seu trabalho com esmero, o rapaz que estava com a moça deu, além do ticket dela, mais três ou quatro reais em moeda.

Teve também uma educadora que ouviu a história, foi sacar dinheiro, e depois voltou, e enquanto um e outro conversavam, dei uma saída, e na volta, ela tinha feito uma pergunta sem que eu ainda disso soubesse. Fabrício era de Guaianazes, e que levava um certo chão. Tinha uma meio adolescente com uma criança de colo por perto, mais pedinte do que talvez para vender algo, que às vezes se aproximava de mim, ao notar a minha ajuda ao Fabrício. Dei para ela dois reais, mas, no fundo, o meu intuito era ajudar mais o Fabrício. Dizia para as pessoas que não era necessário ajudar exatamente naquela hora. Caso um dia viesse a vontade, ele estava sempre por lá. Teve uma hora que aconselhei o Fabrício a não se importar muito com as pessoas que aparentam riqueza, mas, sim, àquelas sensíveis. E disse que ele perceberia aquilo pelos olhos, tais como os meus, de fato falei. No que ele disse: "Mas os seus são bem sérios". Aí como surgiu essa questão, respondi para ele: "Em alguns momentos, Fabrício, é preciso ser sério, para que percebam a verdade do que você fala, entendeu?". Acho que de algum modo entendeu.


Num dado momento em que parei duas meninas para conversar sobre o Fabrício, um rapaz negro, de olhos um tanto severos, me parou para contar um pouco a sua história. As meninas até ouviram um instante a nossa conversa, mas em seguida foram embora. Paulo é o nome dele, e muito ciente da sua condição social, falou que pelo fato de ter sido preso, e no que falou, uma teve razão por tráfico, a outra que foi por assalto ele disse que se enganaram, afirmou então para mim que por tudo isso ele não consegue emprego. Pelo que entendi ele ia até fazer um bico naquele dia, mas souberam que ele já foi preso, e assim não aconteceu. Ele tem um filho, acho que de oito meses, que fica com alguém que cuida, pois a mulher o abandonou, e ele sai às ruas para contar a sua história. Ao mesmo tempo, faz uma análise da nossa sociedade, em alguns casos, hipócrita, e tudo o que ele deseja é uma oportunidade. Dei cinco reais para ele, no que me disse que com aquele dinheiro ia comer. Em dado momento comentou comigo que eu podia perceber que ele não tinha dito nenhuma gíria, apenas uma hora falou "mano". Olhei bem para ele, e disse que ele podia me chamar não só de mano, como também de irmão, no que ficou agradecido. Disse para ele que admirava muito a sua cor, aliás, a minha namorada é negra. E ele partiu, eu voltei para perto de Fabrício, mas algo ficou. Logo depois disse que tinha que voltar para casa, pois ainda ia me encontrar com o meu amor. E também me despedi do Fabrício. Como estou sempre por lá, ainda espero encontrá-lo, e faço questão de comprar um par de sapatos de couro, não caro, e dar um par para ele, e o outro para ficar comigo, nem precisa engraxar, Fabrício.

2 comentários:

  1. Quantas histórias se entrelaçcando...e no fundo um sentimento em comum, a generosidade de se doar a alguém, dando um pouco do seu tempo para minimizar sofrimentos.
    Valeu, Fábio

    Um abraço. Áurea

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    1. Áurea, poxa, minha querida amiga, obrigado por seu comentário tão sensível. Me emocionei de verdade com ele. Grande abraço, de seu amigo Fábio.

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