quarta-feira, 24 de julho de 2013

Budismo um tanto às avessas




Verônica, tal como o próprio nome, é em tudo verdadeira. Fala o que pensa. Sempre foi assim. E desde criança o pai reclamava da postura dela ante as visitas. Perscrutava cada rosto e gesto a procura da alma. Queria entender a psicologia dos outros. Não à toa, eis uma área acadêmica que frequentou por um tempo. Devo dizer que o seu nome é a única coisa fictícia do texto. De resto, é tal qual ouvi, é tal qual escrevo. Que nome melhor poderia ser senão Verônica? Sigiloso é o nome verídico, para assim preservá-la. Não que, no fundo, fosse lhe magoar. Mas toda a verdade é verdade. Verônica, com seus lindos sessenta e sete anos, possui carisma singular. Antes dizia: "Vai com Deus". Hoje diz na despedida: "Boa sorte", como, acredito eu, todo bom budista. Vai quase uma vez por semana ao Hospital das Clínicas. Mesmo quando não precisa. E quem faz esse serviço de levá-la é o seu namorado. Quem afinal trabalha para um vereador da Grande São Paulo. Nove anos mais novo que ela, e também frequentador do budismo, tem o costume de dar nela muitos perdidos. Tem dia que ela, desgostosa, nem lê o Daimoku. Ela, além de ter o pequeno santuário de meio metro na parede, nunca se livrou do São Jorge que o pai lhe deu. Dorme três horas por dia. Por causa dos problemas de saúde. E sabe de onde mora, e por onde o avião chega, seja dos lados do cemitério, seja dos lados de sua casa, o quanto o pouso da viagem que ali finda se origina do norte ou do sul.


Depois que foi internada, bem depois dos tubos e do drama, Verônica ainda canta ópera. Por telefone, a meu ver, não desafina. Muito exigente consigo própria, ela diz que sim. De repente, numa ária, enfatiza a palavra "Menzognero", de um modo a princípio lírico, e que em seguida me revela: "Acho que vou cantar para ele. Significa mentiroso", me confessa. Estão juntos a mais ou menos quatro anos. Foi ele que a apresentou ao budismo. Ele segue religiosamente as orações duas vezes ao dia. "Talvez devido aos pecados", ela assevera. Ultimamente ele pega a perua que guarda na casa da própria Verônica, e vai embora rápido, num café de no máximo cinco minutos. Gaúcha como só ela é solta os cachorros para cima dele. Tantos são os palavrões que, quando se dá conta, já ocorreram, a despeito de qualquer "Namu myo hou rengue kyo". Bem sei que em seu olhos verdes cintila uma constante ternura. E na morte de um amigo tentou ligar para umas trinta pessoas. Ninguém atendeu. Sofre, aqui e ali, de depressão, embora poucos tenham um bom humor como o seu. À medida que fala do ex-marido abaixa a voz. Ele mora nos fundos de seu quintal, e convalesce de um câncer voraz. Verônica, para espantar a solidão, mora com uma cadela que lhe faz companhia. Esta emagreceu, e quase partiu daqui deste mundo, na época em que ela estava hospitalizada. Basta que Verônica saia para que a cachorra fique aturdida. Mulher que morou certo tempo no interior do estado, ela tinha súbitas vontades de ver a família no sul. Partia. Como se fosse bem perto. Dois guardiães caninos zelavam por seu sono na estrada, nas necessárias paradas. Manda mensagens de amor e sabedoria para os amigos com a mesma alegria de quem vê os pampas. Na última vez que a vi, a nutricionista fez uma série de perguntas a respeito do dia a dia no que se refere à comida. E pelo que notei, Verônica seguia à risca a dieta. Pouco tempo depois, eu e ela devorávamos plenamente o que Buda e Deus jamais receitariam.

sábado, 20 de julho de 2013

Nem uma nota de rodapé sobre a Panda




Rodou pelo mundo a morte de Casablancas. E nem uma nota de rodapé sobre a Panda. Quem conhece um pouco de moda sabe o quanto aquele nome representa. Quanto à Panda, quem soube senão a Maria, a Jana, os irmãos, assim como eu, e o uivo dos outros cães do mesmo quintal? Do mesmo modo, pelo que consta, a família dele estava por perto. E como não poderia ser diferente morreu na cama. De câncer. Por sinal, a mesma doença que a Panda. Nenhum noticiário dos que pesquisei disseram em que região foi o seu tumor. O dela foi na mama. A tal ponto que arrasou costelas, e devassou outros órgãos. A cama da Panda era um esmero de lençol contra o frio do chão. Já não queria cobertor, tal era a dor. Casablancas era de família abastada. Panda, se não me engano, era vira-lata. Ele provavelmente conheceu boa parte do planeta. Ela sempre teve duradouro amor, e jamais como outros vira-latas, se viu na sarjeta. Ele revelou grandes modelos. Ela ao menos conheceu, de Maria e Jana, olhos belos. Ele fez memórias, do universo da moda, com muitos podres. Ela, numa família humilde, soube na vida o que há de mais nobre.

Quais foram os derradeiros afagos em Casablancas? Acredito que da esposa e dos filhos. Para Panda, o último cafuné foi de Jana, na mesa de uma clínica veterinária. Não faltam fotos de Casablancas: e procurei olhar bem nos olhos dele para ver a cor - meio mel, suponho. Para quem viu o seu lampejo final talvez fossem todo mel - não posso negar. Nem muito menos nego que para a minha namorada o olhar de Panda também era mel. Justamente quando ela a levava para a clínica ante o azul do céu. E mesmo depois do estertor que, por fim, deu cabo do coração, eis que ainda assim mostrava na íris canina laivos de sua permanência terrena.

Casablancas será por muito tempo lembrado. Panda sempre terá de algum modo naquele quintal o seu canto. Casablancas tinha, como profissional, um grande olhar e tino. Panda teve no amor a sua forma de ser destino. Casablancas foi motivo de pauta nos jornais. Panda será sempre motivo para nossos singelos ais. Num quintal jamais qualquer da vida. Casablancas tem todo o direito à fama. Panda teve uma afável casa. Para que mais? Casablancas tinha deverás o que contar em seu livro. Panda nos legou os seus olhos e um não mero abanar de rabo. O que já nos basta para ser ao longo do porvir quiça furtivo sorriso.

sábado, 13 de julho de 2013

Minha Ítaca

Parto da casa de meu amigo Aécio. E comigo vem o pôr-do-sol. Com a qualidade de brilho de quem quiça sorriu, como eu, com as idas brincadeiras. Qualquer fio d'água se torna perene de luz. E uma pipa na mão de uma criança já antevê a vermelhidão derradeira do horizonte. Aqui e ali, a chama vespertina reverbera. E as curvas da descida são suaves enquanto sou pálpebras. Mesmo no lusco-fusco, permanece a tarde nos laivos de uma grelha de churrasco na esquina. Minhas mãos tem cheiro de sabão em pó e gasolina. Por causa das peças do motor da moto de meu amigo. E entre uma chave de fenda e outras coisas mais do ofício, a conversa serena jamais destoa. Aécio pede que eu conte histórias - apesar de eu ser mais inábil nisto do que em mecânica. Mas do mesmo modo conto. Na medida em que vejo os olhos criteriosos de Aécio no motor.

Bem sei que cá escrevo, e por mais que a lotação balance, faço português com técnica chinesa. A tinta flui e se esquiva. Menos a memória. Esta vai comigo. E eis o que sobra do sol quando quase já não há mais sol. E a pipa que nunca empinei é naquele momento possibilidade de céu. Meu modo de escrita. E viajar é uma alegria para os olhos. Já que não cessa. Cada volteio da tinta é também uma viagem. Sempre na iminência de ser mais tinta. E embora ainda não seja plena noite, meu coração é parte de todo o lugar que me traz paz. E tal como o ônibus, palpita, chacoalha, e por toda a vida reivindica mais vida. Vida que se ouvia no riso das crianças pós sol findo. Manancial de gargalhadas furtivas. E quando a noite já é de fato noite troco de locomoção. E ao meu lado vai o barco que o Aécio me deu. Vai no espaldar da janela quando lhe protejo. Assimila as luzes dinâmicas do metro. Vai sem vento imediato na proa. Vai, pois de sina nunca estou à toa. Logo então converto o meu sopro em brisa nas velas - para que saiba um quê de mar. O saco que lhe envolve até poderia ter algo de tempestade. Que venha ou não venha, preparado estou. E em nada me afunda. Antes que me engolfe, me mantenho intacto. O estrídulo dos trilhos abarca os meus ouvidos. Como bem disse, Aécio: "Para tudo na vida se tem jeito", à medida que descobre maneiras de se desvencilhar de um percalço na moto.


Assim uma viagem se faz mais dentro de si do que ao redor, uma vez que de vez em vez que há profundo mundo já nem sei do talvez, do incerto:  tudo me cala fundo e com jeito. Caso alguém me pergunte que nome tinha aquele pôr-do-sol, respondo: Jana. E a pipa vermelha: lábios de meu amor. E o fio d'água: ternura. E aquele laivo na grelha: ardor e mais ardor. E o riso das crianças: a tua alegria. E o barco que não se engolfa: o meu coração por ti. A viagem é a minha Ítaca. Sem ainda estar lá, e já estou lá. Presença que não cessa. Sendo que estar contigo, Jana, é estar na minha Ítaca com pele, lábios e olhos fechados. A água de rio é o teu beijo, enquanto durante o mar a boca somente ressecava. A rede é mais uma vez o teu abraço. E a janela que dá para o oceano é a tua voz. Ítaca é a minha cítara. Ítaca nada tem de cíclica. Ou se nasce para Ítaca ou não se nasce para Ítaca. Tenho a minha vida atada a Ítaca.  E em nada é lírica a vida desprovida de Ítaca. Claro que a madeira velha de meu barco incha devido ao mar, além da proa que descasca. Não me atordoo. Sou metade água salina, metade solo firme com toda a sina.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Aquele bem que a amizade faz




A amizade não importa quanto tempo tenha se plasma na alma de imediato. E quando surge jamais deixa de ter verdadeiro apelo. Hoje, nesta manhã de sol, pude conhecer Gislaine e Walquíria, ambas plenas de um amor amigo, pois como bem dizem não amam este ou aquele, amam, sobretudo, o ser humano. Amam de fato a amizade. Walquíria com seus sessenta e sete anos falou tudo: "Pensam que só cabe a palavra amor quando se refere a cama. Pelo contrário, pois há no amor pelo amigo profundo amor". Gislaine com muita compaixão pelo ser humano diz que a gratidão e compreensão são elos fundamentais com a vida. E percebo a todo o momento nas duas um sentimento maravilhoso de mundo, uma vez que refletem sobre a vida com tal vigor que nada há de me fazer esquecê-las. Claro que a amizade demanda solicitude, e se faz com o tempo. Porém me basta uma hora de sincera conversa para que este tempo condense o universo.


E ver que os olhos de um amigo, seja masculino, seja feminino, adentram em meu coração é, com efeito, ser cândida gratidão. Já que um olhar amigo carrega tempo incomensurável. Um olhar amigo é a minha eternidade. Um olhar amigo é a minha catedral. Um amor de outra tessitura, tão espírito se torna, assim como se faz plenamente palpável. Um amor amigo que vai fundo, tamanha é a inteireza de caráter ali presente. Quem pensa que é necessário anos para se ter um amigo, acredito que de algum modo se engana. Para quem possui o dom da amizade ela nasce a cada genuíno instante. Brota qual nascente de rio que se alonga por vasto território. É talvez mais uma certidão de batismo. É talvez o único testamento que não se registra em cartório.  E aplaca cada ferida. Fechar-me à amizade é me fechar ao mundo. Não devo e não posso. Meus olhos são frescor ante a presença de um amigo. Meus olhos emanam o que sou - enlevo fraterno. Sou mais uno de tudo assim com toda a alma e coração. Não é deslumbramento. É discernimento a quem devo amar também incondicionalmente. Não significa amor carnal, no entanto, toca a pele da alma. Não significa desejo, no entanto, é sempre ensejo de vitalidade. Não significa posse, no entanto, considero quiça um norte. Não significa disputa de quem tem razão, no entanto, duradoura compreensão. Não significa uma fome de certezas, no entanto, é um chamado para ser coração. Não significa querer a todo momento uma garantia de amor, pois é amor por ser amor decantado. E decerto tão encantado quanto o amor por sua namorada e esposa. A distinção é a de que o olhar para o amigo é de um brilho prateado, e para o seu amor é de um fulgor dourado. Distinção sutil. Contudo, cada qual à sua maneira pungente. Ambos os brilhos para o qual sou eleito. Por toda a vida eleito. E de igual maneira me dedico a ambos. De corpo inteiro. De alma inteira. Eis a minha sina derradeira.

domingo, 7 de julho de 2013

Rubiana




Teu nome não surgiu à toa - nem jamais transborda do coração de seu pai em vão. Teu nome, Rubiana, com certeza veio com a mesma gana que o teu pai lhe queria viva. Por causa de sua meningite (junto com a paralisia cerebral), a médica acreditou que você tinha apenas sete dias de vida. Mas não. Teu pai tinha razão. Passou trezentos e sessenta e cinco dias, e ganhaste um pouco mais de corpo. Corpo sempre miúdo, e nele um mundo. Teu pai jamais desistiu de ti. Muito menos a sua mãe. Mãe que dá por toda a vida a quentura do próprio amor nos dias que tu não consegues dormir. Encontro a família numa manifestação diante do MASP que reivindica transporte para os filhos que necessitam de auxílio na AACD. Luís, certa vez, (conta isto com um singelo nariz de palhaço - além dos olhos sérios) teve que descer uma íngreme escadaria no Terminal Praça Bandeira, e só quando faltava dois degraus alguém pretendeu lhe ajudar. Mora em Campo Limpo, e já faz muitos anos que demanda do governo algum meio de locomoção que lhe possibilite levar a filha ao tratamento, uma vez que através de ônibus é quase impossível.


"Eu poderia ficar um dia inteiro a falar de minha filha", comovido confessa, de tal modo que, mesmo com óculos, um furtivo lampejo escapa de seus olhos escuros. E de modo afável narra um pouco de tudo. "Vocês querem conhecer a minha filha", pergunta a mim e ao meu amigo ainda não tão próximos de onde ela estava. "Claro", respondemos de imediato. Foi aí que te conheci, Rubiana, tão pequena e plena de carisma, tão silenciosa e humana, e de olhar atento. "Esta menina é o meu orgulho. E a minha alegria", conta o pai, enquanto ponho as mãos no ombro dele - neste ombro que já sofreu tanto, e no entanto se mantêm firme, incólume. Neste ombro que resiste apesar dos tombos. A sua filha é o céu depois de cada tombo. A sua filha é não saber o que é duro chão apesar de cada tombo. A sua filha é, num assomo, o que você, Luís, sempre quis - ser de algum modo feliz. E ainda assevera: "A minha mulher é uma guerreira". Pois se não me engano Luís e Susana tiveram mais três filhos - numa luta pela vida que não cessa. E a Rubiana talvez seja o maior talismã deles. E também aquele imã que agrega toda a família numa união indissolúvel. Rubiana é amor no estado mais puro. "Ainda quero que ela conheça a minha terra natal. Para ela sentir a areia. Ela percebe tudo ao seu redor", Luís afirma. E eu acredito. Pelo fato de que Rubiana é o Sol que doura a pele de todos.

Obs: hoje Rubiana possui 27 anos.

sábado, 6 de julho de 2013

Retweets de meus tweets




Velocidade nas nossas vidas é muito comum. Mas não comunga comigo. Bem que eu poderia ser capaz de ligar o pisca alerta ante o pôr-do-sol...


Como a arte se pôs ante a modernidade? Como forjou ser voz que na tela se plasma? Embora haja, na vertigem, asma, a arte combate fantasmas.



Há manhã lá fora. Ninguém pode me negá-la. Entra por debaixo da porta. Pelas frestas da janela. De tal modo que só sobraste o olor da vela.


Hei de ser por quanto tempo mundo? Perguntar é um absurdo? Que eu ao menos seja mundo desde que haja em mim por toda a vida o fundo de tudo.



Não sei ser de outro modo. Procuro ser sempre com nenhum denodo. Prudência é o meu método. Nem sei o que é ser réprobo. Lego probabilidades.


Ninguém é melhor do que ninguém. Toda vez que acredito ser melhor que alguém envelheço. A fonte da juventude é a humildade. E nada a mais...



Escrevo a procura de mim ou a procura do outro? Um tanto lúcido e louco ambos procuro. Saio sempre no escuro, e de soslaio algo encontro.



Paciência não é somente permanecer ausente e presente num dado lugar. É por vezes despermanecer do que já se é - para ser com e por outro...



Com amor, vero amor, me doo. Na alegria ou na dor, me doo. Quero ser para a ferida asa ninho - depois ou não do pouso. Pausa sim para a asa.



Por toda a vida o meu pensamento é companhia. Nem sempre boa companhia. Ainda assim minha. Ainda assim não definha. Quando quiça cristalina.



Presente. Minha aurora e meu pôr-do-sol. Depois disto, posso até ser noturno estelar, posso até ser luar. Porém, presente do presente serei.



Medo, não. Nem desconfiança. Apenas senso de observação. E em alguns momentos clarividência. Eis o que sou: modo de ser com o olhar frescor.



Descubro na experiência de ser eu um jogo de espelhos com o outro, que se embaça e desembaça de acordo com os acasos e desacasos do destino.


Poesia é jamais agreste. Acho assim em meu norte, sul, leste, oeste, frescor de açude. E amiúde me mostra na finitude o que há de infinitude.


Poesia alarga a alma. Paga o que devo com ternura. Propaga olor e ventura. Solapa a desventura. E encaçapa com determinação um pensamento...


Palavra, uma virtude embora tudo seja finitude. Algo que me consome: mal sei de meu nome. E quiça me atiça, como no mar, o apelo da brisa...


O que é o poema? Nele se diz coisas amenas? Ou vai no x de um problema? O que é o poema? Simples soma de fonemas? Ou algum jamais anátema?


No próximo passo, serei eu. Enquanto neste atual passo, sou o outro. No próximo passo serei o outro. Enquanto neste atual passo, sou eu.



Futuro, palavra que se alonga. Alguém pega no escuro a sua onda? Prefiro o presente. Quando na aurora do dia chega a ser onda que me sonda.



Escrevo, pois bem, escrevo. Ser a escrita sem sê-la não poderia. A minha alegria é esculpir o gelo. A minha alegria é desenroscar o novelo.


Escrevo com um intuito: ser desprovido de curto-circuito. Que por vezes me furta muito. Sem duro surto, pois cuido de ser forte ante a sina.


Sorvo o porvir: porto que gosta de ser onda. Sorvo o porvir: atento ou absorto qual sonda. Sorvo o porvir: no relento, no sol, de monta.


Será que posso ser poeta pela metade? Uma vez que sempre estou entre a memória e a saudade? Acaso sou capaz de ser frio no ardor desta arte?



Que sei eu de mim? Jasmim se faz jasmim sem mim? Jasmim jamais deixa de ser jasmim por mim? Jasmim num zás traz nas narinas jasmim? Jasmim.


Liberdade é música. Hei de procurar a justa afinação. A pungente cadência. A inevitável melodia. Para que cada nota faça sentido no destino.


Liberdade é descoberta. Não se faz de imediato: e sim no modo de se dar o laço. Liberdade nem sempre acerta: é necessário alma em cada ato.


Que conselho devo à mim mesmo? Ser livre, mas não sempre pleno? Ser livre, embora de algum modo ao destino preso? Ser livre, sem muito peso?




A vida, tão-somente a vida, sempre como quis - de algum modo inaudita e feliz. Que a liberdade jamais esteja por um triz. Por ser liberdade.


Sono é um mapa que se solapa de acordo com o sono. E que dele sobra apenas sobras que mal dão uma obra. Prefiro então a imperfeita realidade.



Para quem não conhece o contexto jamais percebe o quão complexo é tudo. E assim tira de um esquivo trecho uma má interpretação e desfecho...



Solicitude é, na humana finitude, alguma infinitude. De onde emana uma alma irmanada a outra alma. Que não se fana em ser alma noutra alma.



Paz. Capaz de tudo. Pelo fato de ser paz. Um mundo inteiro ao seu favor. Um mundo pleno de olor. Paz: mínima palavra. Eis uma grata estrada.



Paz é um anseio válido. Mesmo pálido é válido. E há de ser em algum momento cálido. Basta ter calma. Pois a alma é alma nas palmas da calma.



Solicitude parte da pessoa, do que ressoa nesta mesma pessoa, do que se afeiçoa com determinado fato, pois solicitude é em cada ato um laço.



O que é a vida? Pergunta desprovida de fundo. De fundo palpável, eu diria. De fundo com bases sólidas, eu diria. E bem, bem, bem, insólitas.


Resta na vida um vir a ser entre mim e ti. Que jamais mitiga o que há de amiga vida com outra vida. A vida que sou na vida densa que tu és.


Absorto, por um momento, e assim encontro um porto. Um porto ao qual sempre me reporto. Um porto para onde por toda a vida me transporto.



Porto é porta sempre aberta. Ao menos esta da mente é sim, pois nela há toda a descoberta. Que o coração expande ou aperta - jamais com fim.


Navego desprovido de ego. Apenas navego. Ergo os olhos ante o mar - e navego. De algum modo pleno. Sim, navego. A despeito dos olhos vesgos.



Para ser feliz algo da memória não deve estar por um triz. Deve ainda dela sair faísca. Que nada possui de arisca. Faísca que fisga. E dura.




Ser ao longo do sol já é uma maneira de ser, ante o dia, duradoura melodia. Que doura a pele de ternura. Que mesmo louca, já não mais pouca.



Atento. Pois o vento não é rápido nem lento. Já que na pele vem sob medida de meu contentamento. E mesmo no inverno, nada é muito incerto...



Que faço senão ser palavra? De amor, justamente, de amor. Que mais poderia ser senão palavra de amor? Mesmo na dor, com ânsia de amor. Amor.


Vago no plano do impalpável. Vago. Não sou nenhum mago. Apenas humano. E por isso vago. E, no que vago, divago. É o que posso fazer de fato.


Num minuto se faz e desfaz o mundo. Num simples minuto. Tal é a possibilidade de curto-circuito. Num fatídico minuto. Quer se queira ou não.



Música. Pois é: não só música. Mais que isto é um dom: que faz do ser um invisível sorriso. E mais: faz de cada som uma sombra de arvoredo.



Silêncio é silêncio, tanto para o mal quanto para o bem. Para aquele que bem o percebe, de tudo vai além. No caso contrário, tudo fica aquém.



Assim como há tons de voz, também há tons de silêncio. E cada tom e subtom de silêncio pode ser de bom tom ou não. E para um ou outro tende?



Dura é a vida. Mesmo assim, para o bem ou para o mal em mim perdura. Quem a depura senão o destino? Que em meu desatino tem chance de cura?



Fotografia outorga à vida um fascínio que a tira de qualquer monotonia. Tudo o que há de duradouro cabe na pausa de sua arte. Para sempre...



Atento. Bem atento. Pois no mundo o que há de denso de algum modo para o meu bem aproveito. Tudo o que vai ao redor está dentro. Bem atento.



Melhor estar atento. No sol ou no relento. Assim me reinvento. Por maior que seja o perigo, espero ao menos manter sob controle o vero medo.



É verdade. Que sei eu de mim? Sei apenas de mim que o luar raia, e que as narinas querem jasmim. Sei só que o meu coração é assim: carmim...



Quisera eu ser música. Eu que só sei ser palavra. Pois estrada sei ser, mas onde nela e na alma a túnica? E assim jamais de puída cor prata?


Errante ou torto, procuro um porto. Nem sei se ao certo há conforto. De qualquer modo, qual louco, me comporto. Do mar a tempestade suporto.



Conto com o pontos que recebi ao longo da pele. Sem eles, o que saberia da vida? Que para ser pele há o desfecho da ferida? Isto é, cicatriz.



Entre o silêncio e a música, não dá para escolher uma única. Há horas em que só uma delas algo suscita. Outras em que só uma ou outra é sina.


Prezo pelo bonito gesto. Certo de que sem tal manifestação jamais haverá festa aos sentidos. Pois só o que me resta é ser duradouro destino.



Música: repentina, muito mais música. Música: aguardada, também sem dúvida música. Silêncio, por ser silêncio, nem um nem outro, e sim ambos.


Brisa, para todo o sempre brisa. Na pele e nas pálpebras - brisa. Molde para as ondas, brisa. E onde mais houver alegria, brisa. Sim. Brisa.



Somente com o céu me refaço. Através de estreito laço. No mínimo das coisas, o máximo - sem estardalhaço. Sou meio triste e meio palhaço.



Não o vejo. E aqui, está. Pelas frestas, está. Pelo incorrigível ardor, está. Para ser para além do vidro, será. O que me resta é a sua luz.



Elejo um dia. Elejo uma hora. E do dia e da hora só lembro da melodia de outrora. Enquanto posso ser no tempo profundo tempo. Duradouramente.


Na vida há algo de remoto. Cujo sentido é ser para a memória porto. E que de algum modo seja motor para o corpo. No que topo me transporto.



Lágrima, pois a ternura é grande. A cada doce ou amargo instante. Nem sei mais de meus mirantes. Bem como antes. Tão de mim estou distante.


Concentração pode ser côncava ou convexa, pode ser simples ou complexa, pode ser parcial ou plena, pode ser lua nova ou cheia, mas que seja.


Concentração é tração nas quatro rodas para suportar a rota, o barranco, o solavanco, o leve ou brusco tranco, na nunca pretensa tensa hora.


Mar. Meu mar. Atlântico, pacífico ou ártico. Jamais extático. E sempre à procura de um pórtico. Nem sempre quanto às correntezas bem lógico.



Hora de ser agora. Bem sei de outrora. Mas me basta o agora. Bem sei o quanto o futuro limita as horas. Saiba eu das horas só o serem horas.



Caos vem sem pausa, e mesmo que eu tente um basta na desordem, a alma jamais possui calma, nem sei quantas laudas existem dos meus pecados.


Lento. Bem lento. No ato de ser pensamento. Lento, mas não ao relento. Com os olhos jamais remelentos. Apenas lento. E com algum intento.


Sou vento. Para qual momento? Não sei. Um tanto sim de brisa, um tanto gélido. Nunca sei bem qual. Deverás vento, que venta, enquanto pensa.



Sou todos os elementos da vida, com alguma pausa, com algum movimento, enquanto o vento, ora frio, ora frescor de brisa, vem e me desalucina.


Ante a alegria, meu eu é brisa. Ante a tristeza, meu eu procura alguma beleza. Ante o destino, meu eu possui algo de súbito. Ante é mirante.


Escrevo não sei o porquê nem até quando, para o acalanto ou não, que ocorre a todo o momento sem senão, caso contrário o que seria de mim?


Na vida, vou ao encontro da vida, por mais que nem sempre seja lúdica, ainda assim vida, que me possibilita um retorno à alegria na surdina.


Ter um foco, apesar do louco mundo. Ter um foco, a despeito do pouco fundo de tudo. Ter um foco, embora por vezes haja um oco quiça rotundo.


Reconheço sim quando o sorriso é sorriso, ou mera capa que algo esconde. Onde mais senão no sorriso para encontrar ou não o paraíso perdido?


Seja quem for que esteja debaixo de seu guarda-chuva não está livre dos acasos ao longo da rua. Portões, arbustos e chão úmido, tudo avulta.



Compor com o porto um cenário para o pôr-do-sol. Nuance a nuance de cor, não num mero relance, mas pleno do esplendor de um duradouro olhar.



Eis-me pronto para compor, com todo o ardor, pois nos tombos que o passo traz, sei o quanto sou capaz de um combo, de um assomo de memórias.



Componho em sonho, justamente quando lúcido sonho. Proponho assim a mim mesmo um passo já não mais a esmo, pois me esmero em ser palavra.



Em toda a vida, hora a hora, dia a dia, descubro alguma melodia no ato de existir, grato que sou em haver para cada dia e cada hora aurora.



O que preciso, a meu ver, é não me ater muito ao ciso que nasce na boca da alma, pois de calma em calma estou sempre a ponto de ser sorriso.



Na vida, sim, nesta vida, nesta longa ou curta vida, nesta densa vida (a despeito do tédio), nesta vida adentro que em pensamento se forja.



Quem antes pondera sobre tudo o que faz não está livre do dilema entre a guerra e a paz que lhe povoa a alma, cujo estorvo é de fato comum.


O poeta, sempre alerta, sempre atrás de nova descoberta, e sempre pleno do amor que tanto flerta, sabe o quanto de verdade há nas palavras.



Leitura necessita de lisuras, uma vez que ao longo de tal ato é possível extirpar as fissuras da alma com todo o tato e sabedoria de médico.



Na verdade qualquer coisa que lhe deixa cabreiro surge por não entender por inteiro que a vida é mais nas entrelinhas do que no letreiro.



Um mero detalhe pode a vir a ser o caos quando no veio do mármore, num simples entalhe, tudo quebra. E olha que eu sei quando regra é regra.



Nenhum caos, nem mesmo aquele que se conjuga o fora e o dentro, permanece por muito tempo no centro de tudo. Há muitos mundos em meu mundo.



Por mais que se escreva com todo o cuidado, para quem lê pode haver um curto-circuito, uma vez que se enxerga apenas a parte pelo todo.



Futuro é a alegria que se faz imagem. Passado é o presente que se faz memória. Presente é, entre o futuro e o passado, a fé de ser presente.


Melhor ainda do que a vida é justamente aquela vida que jamais se priva de sonhar, mesmo quando tudo no mundo vai na contramão deste fato...


Detenho na memória o desenho de meu amor. Feito, com ardor, pelo sabor das horas, cujo efeito em meu ser é que seja de algum modo perfeito.



Refaço meu passo, agora e sempre, mas nem sempre no mesmo compasso. Sei o quanto enlaço em meu passo apenas no fato de ser por bem passo.


Nos perigos do mundo intrigo-me sim em qual a melhor maneira de ser eu, feito abismo à beira de si próprio que, enquanto cai pedras, medita.



Mais um dia infunde melodia ao dia. Mais um dia assume na surdina alegria ao dia. Mais um dia alumia de verdade a verdade de meu terno dia.



Amor é tortura sem sequer um momento de teu amor, pois o nosso mútuo amor requer a fortuna de ser amor a cada instante, a toda a eleita hora.



A voz de meu amor jamais me deixa a sós. Há nela uma porção de sóis, e uma larga foz, cuja alegria das águas em tudo me possibilita de paz.



Liberdade ilimitada não há. Mas para todo aquele que é mar, prevalece, mesmo na encosta, o rugido da onda cujo sentido ninguém contra possa.



Presto atenção a tudo, pois meu mundo, pleno de desafios e percalços, rende ao mesmo tempo laço com as coisas, numa alegria que não desfaço.



Discernimento não é apenas um estado de espírito. É comunhão de estados de espírito que, à medida que surgem, revelam a alma como um todo...



Reina na alma a paz que se basta por ser em tudo capaz de pôr calma, ao menos de dentro para fora, embora haja um ao redor não tão ao redor.



Coragem pede palavra, pede vírgula, pede não ter gula por ponto, pede em suma ponderação quando se usa adjetivo, pede que se seja humano.



Quando não se acha o que tanto se procura, qualquer duração se assemelha a não mera eternidade, qualquer alvura da consciência se mancha.



Louco de ternura, e pronto para rasgar a camisa de força com as unhas plenas de jasmim, volto a ser por mim o que por mim volto a ser em mim.



Luz, sim, ao longo da melodia cada vez mais luz, que dura em meu mundo com ardorosa ternura, a tal ponto que na pele me alegra de verdade...



Música, não aqui aonde tenho ouvidos, mas em toda parte onde teus passos são a arte do infinito, ao qual presumo um rumo que venha comigo...


Sonho, e de sonhar sonho quando nem dou por isso. Quem me revela tal fato é meu sorriso, sempre a receber vento de algum singelo paraíso.


Sonho, e com ele meu próprio porto encontro. Não sem olhar para o entorno, mar cujas ondas hão de mostrar de onde surge o oportuno vento.



Amizade é um bem que vai para além do bem, pois sabe o quanto a vida fica sempre aquém, o que demanda no convívio afável um comungante amém.



Palavra: de acordo com o seu acorde, pode pôr cor em meu norte, de acordo com a possibilidade de porto, comporta todo um mundo de verdades.



Amizade é bondade, longa e ondante, sondagem de corrente tropical, vontade de cardumes ao longo do mar - sem nenhum verdadeiro azedume.


Fui eleito para os beijos de meu amor, como se cada ensejo para tanto fosse verdadeiro acalanto para os lábios, tal qual comungante lírio...


Beijo é um feito que nenhum céu estrelado conhece direito, a não ser que tenha se esquecido o quão para tal ocorrência há novo brilho eleito.



Amar é no mar a norma atlântica de amar, sem nenhum alarmante momento que não se resolva em amor, enquanto no panorama mais uma vez se ama.


Meus dedos das mãos permanecem miúdos ante as teclas do computador, enquanto me faço mais uma vez mundo que nunca se computa de tanto ardor.


A vida, sim, a vida, que a linguagem do amor dita para que por bem haja amém, aqui e ali, jamais aquém do mundo que há para além sim de mim.


A vida, tão-somente a vida, para que haja dádiva bem-vinda em toda a parte, com alegria de brisa que se realiza com toda a arte na doce pele.



A vida é possibilidade, para além de qualquer bílis, uma vez que lirismo só se faz por meio de um verdadeiro embate no mundo feito com arte.


Saudade salda-me com o mundo: enquanto gira, deliro seu nome, enquanto gira, quero sempre o seu norte, enquanto gira, contigo me faço nobre.



Saudade apalpa o coração de secreto decreto: ser na solidão ternura sem nenhuma colisão com o silêncio, pois tudo por ventura se faz memória.


Na espera deve haver pura entrega senão não é espera, senão nada é senão véspera que não soube ser memória, nem mesmo glória dos sentidos...


Com a tua boca já não faço oca a minha vida, com a tua pele algo sempre me compele ao deleite, com teus olhos jamais serei um mero fóssil...



Cole Porter porta no fraque uma flor, que, se fenece, fenece com arte, a ponto de deixar no ar, na pele, um certo perfume por demais perene.



Paciência vem do tempo, vem enquanto tempo, vem a despeito do tempo, vem ao longo do tempo, vem para ser tempo de maior amor ao suave tempo.



Que haja no dia que se põe poema... Que haja na noite que se firma doce firmamento... Que haja na amizade que aqui fica alegria bem-vinda...


Escrever não me livra da responsabilidade de ser eu. No entanto mostra dentro da responsabilidade o que ainda possuo de inequívoca liberdade.


Paciência é uma virtude, cuja finitude jamais deve ocorrer, em cada sorte com renovado norte, que me faz bem mais forte e muito mais lúdico.


No amor sou benção, antes ou depois da arrebentação, seu mar é meu, assim como velejo em comunhão com Deus, na virtude de hoje e de antanho.


Amor, eis que se faz em mirante, adiante dele o mar, cuja brisa é o melhor dos meliantes, pois rouba meu rosto, enquanto me deixa a memória.


Pensamento se forja no vento, enquanto momento perdura, na ternura de cada elemento do coração e da alma, ao longo de uma pungente mistura.


Respeito quem quer ver do outro sempre um espelho de si próprio. Mas será que o espelho de si mesmo reflete sempre e sempre a si mesmo?


Quem vê de fora não vê o que vai dentro embora já tenha vivido dentro. Quem vê de dentro não vê o que vai fora embora já o tenha vivido sim.




No amor, há muito a ser dito, pois há muito de inaudito ainda por se dizer, uma vez que no dito há tanto destino que ao longo da vida atino.


Obs: Retweets e frases como favorito que amigos fizeram de meus tweets.