sexta-feira, 23 de abril de 2010

La petite sensation de Chopin



Quem conhece meus textos percebe o apreço que tenho por música e pintura, e suas correspondências (sem nunca deixar de amar as demais artes). Decerto, acontece muito comigo de ouvir uma música que suscita determinada imagem ou uma pintura que, por algum motivo, toca acordes na minha alma. Nunca sei ao certo quando tal estalo ocorre, e, talvez, seja melhor assim para, com efeito, permanecer o mistério. No entanto, isso não quer dizer que fique sem explorar o paralelo que, por vezes, vislumbro. E, de fato, dessa vez, fui mordido pelo desejo de ver novamente as frutas de Cézanne após ouvir os Noturnos de Chopin, tocados por Nelson Freire.
Tudo começou então quando ouvi aquela ternura de notas, que, por tantas vezes, lembram o vôo suave de uma pluma, sendo que, vez por outra, parece que vai pousar até que se eleva de novo, para mais um enlevo; tudo isso através de uma delicadeza no dedilhado, como se as notas fossem descobertas apenas naquele precioso momento. Sobretudo, porque Chopin é mestre do frescor bem estruturado, o que torna seus Noturnos tão sinceros e pungentes. Fora que Chopin sabe acumular, como ninguém, suas notas de um perfume que desabrocha, por completo, em uma ou outra nota, para nosso total deslumbramento. E são, justamente, tais notas que me lembram tanto as frutas de Cézanne, uma vez que estas, esparsamente, sobre a mesa, aguçam nosso olhar para uma riqueza de nuances; quanto mais olhamos, mais fica nítida aquela pequena e sutil pincelada sobre uma maçã - já de todo pintada; a cor diante da delicada ou inflamada cor; uma maçã, às vezes, de um vermelho que ninguém acredita ter condições de preservar algo a mais e, no entanto, pode... Acredito também que uma só laranja ou uma única maçã não é capaz de trazer tantas consonâncias, assim como uma melodia, por si só, não é capaz de fazer um Noturno. E é, portanto, da variedade e qualidade expressiva de tais trabalhos que, por fim, proporcionam tamanho apelo sobre nós.

Obs: Clique na imagem para ampliá-la.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O lirismo de Miró





De todas as formas de arte, a pintura permanece como uma das mais delicadas de se dizer algo. E a dedicação de todo o crítico consiste em ser útil sem prejudicar a contemplação da obra. Nossa missão é ser como a trilha sonora de um filme que intensifica aquilo que vemos, e nos faz mesclados como um amálgama à vivacidade da obra. Por coincidência, meu objeto de estudo tem grande afinidade com a música; seu nome é Joan Miró e, decerto, tudo o que será dito procura trazer pontos cruciais de seu trabalho.
Como ponto de partida, escolho “A fazenda” de 1922, mais, talvez, pelo fato de sugerir alguns temas que lhe são caros como o amplo céu noturno, a forma insinuante dos elementos, além de suas disposições espaciais. Com efeito, percebemos também o diáfano desejo de determinar o espaço através da perspectiva; sem deixar de notar que falta, por certo, o toque de espontaneidade característico de Miró. Árduo caminho terá pela frente, já que Miró não consegue, a princípio, pintar sem algum detalhe peculiar da realidade. Inova, em trabalhos subseqüentes, o modo de encontrar correspondências entre os objetos, porém há algo de duro e rígido em sua concepção. Ora se utiliza das linhas que circunscrevem o espaço, ora as elimina com o intuito de apreender a liberdade um tanto fluída das formas - sem estar muito convicto dos próprios resultados.
Até que através de um quadro chamado “Pintura” já vemos, em parte, o dom de Miró quanto à economia de meios para tocar a alma. Basta a fragilidade hesitante de três traços e a volúpia sinuosa de uma mancha vermelha bem definida, além de uma pequena esfera no alto, para que Miró suscite em nós sua força plástica. Descoberta tal forma de se expressar, ainda vai demorar um tempo até que seja capaz de articular um maior número de elementos que não deixem de lado toda aquela diversidade de coisas e seres presentes em seu vocabulário inicial.
Eis então que em 1941, Miró conclui a obra “O belo pássaro decifrando o desconhecido a um casal de amantes”, já com pleno domínio da sensualidade da linha, que, pouco a pouco, nos conduz sobre um fundo que reverbera de êxtase e, decerto, não seria justo nos esquecermos das pequenas formas arredondadas e negras que dão às figuras uma leveza inefável. Desse modo, Miró adquire um estilo mais musical e pleno de energia. E, daí em diante, quero enfatizar apenas uma diferença nos trabalhos vindouros: assim como é mestre da musicalidade das formas, também se torna mestre das pausas e silêncios que toda a música possui. E acredito, sem dúvida, que sua arte, mais e mais, abrigará dentro de si a serenidade da natureza e seu inexorável mistério. Espero, assim, ter tocado em alguns pontos fundamentais do trabalho desse grande artista.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Aforismos que o tempo sedimenta



Seja discreto antes que a fama te difame.

Quem se diz nunca ter sido tímido é porque nunca teve que deixar uma mensagem na secretária eletrônica.

O livro vive o tempo todo comprimido numa estante e só por causa disso podemos entender a generosidade com que se entrega a nós.

Não comemos para engordar, mas engordamos por comer.

Na pedra está gravado por quanto tempo alguém viveu; pena que não haja um epitáfio adequado a cada um.

O parque aquático é um dilúvio organizado.

Se cabeça vazia é a oficina do Diabo, às vezes, a cabeça ocupada é o dia que o Diabo amola seus instrumentos.

Escrever sobre aquilo que não se tem a mínima aptidão é como querer velejar sem ter vela.

Em nenhum momento a aranha olha para a mosca, enquanto faz a teia.

Quem está no inferno, é para se queimar.

O grande artista mostra que seu desenho possui uma linha tão firme e vívida, que faz muitos arquitetos tristes com o compasso na mão.

Vestir-se devidamente na moda é se vestir de luto extravagante em relação à moda que passou.

Se pudesse escolher a cor dos meus sonhos seria da mesma cor que encontro nas vestimentas de Piero della Francesca.

O canto de ópera é o eco de uma voz que não perde o vigor do início.

Todo o escritor tímido tem da vida uma segunda chance para falar, só que dessa vez através da caneta.