sábado, 31 de dezembro de 2011

À alegria solar de Marissol



Marissol, teu avô estava certo quando lhe deu tal apelido. Teu avô viu, desde cedo, o que havia de Maria e o que havia de Sol em tua alma. Teu avô já sabia do teu dom de ser luz, do teu dom de ser vida. Teu avô já via, naquela pequena, que era você – o encantamento de tua presença: sempre alegre e criativa, sempre pura e sabida, sempre terna e contemplativa. Teu avô, com certeza, sabia que teus olhos abrangiam o mundo, a ponto de ser devota das flores e dos bichos, a ponto de descobrir no rumor do rio um amigo, a ponto de sorrir enquanto o Sol sorri, a ponto de não distinguir a pele do luar, a ponto de ser feliz com tão pouco que, na verdade, é muito. Teu avô, talvez, pegava tua mão pequena como quem aconchega um raio de luz, como quem, incerto, não sabe segurar dedos tão pequenos. Teu avô queria teu riso por toda parte, como se tua alegria fosse a dele. Teu avô queria apenas teu silêncio – volta e meia, pleno de sabedoria. Teu avô queria apenas ser jovem – como você é e sempre foi. Teu avô queria apenas a cor de seus olhos – que hoje ilumina seus filhos. Teu avô queria apenas a tua fé na vida – que fortalece a todos. Teu avô queria apenas a tua bondade – que me encanta tanto. Teu avô queria apenas ouvir teu nome radiante para lhe acalmar – assim como acalma sempre os mais próximos. Teu avô queria apenas repetir: Marissol, minha doce Marissol...

Fábio Padilha Neves

Obs: obra de Turner.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Uma carta a ti: minha mãe



Sou, antes de tudo, um solitário atento: basta ver como tu prezas a amizade – sempre aprendo algo. Basta ver o que se basta: tua sincera alegria – sempre ao redor de pessoas boas e afáveis. E assunto, entre as amigas, nunca falta. Respeito e zelo, também nunca. Vontade de ser um pouco de cada felicidade e preocupação de estar por perto em cada tristeza, tampouco. Muito menos, quando é um ouvido amigo (tal como sempre foi), logo hoje, que ninguém mais ouve. Muito menos, quando é uma língua cuidadosa (tal como sempre foi), logo hoje, que ninguém mais lhe segura o ímpeto. Com efeito, tu és de uma paciência que só a fé é capaz de ter. Com efeito, tu és de uma discrição que nem toda prece humana possui.

Sem dúvida, ser mãe é ser a calidez macia de um ninho; é ser a corola de uma flor – para que haja a exuberância perfumosa do mundo; é ser a administração de uma colméia – sempre entre o mel e o zunido; é ser, por toda vida, o forro de uma blusa de frio; é ser, ante o meu prazer, um pincel para cada nuance de uma pintura; é ser de uma melodia que cabe apenas às flautas; é ser de uma temperatura terna que reconheço sempre numa tarde de Primavera. Teus ouvidos são tão sensíveis que antecipam meus atos – percebem, durante o barulho de uma porcelana, o desejo por doce. Percebem que já estou afinal em casa – por mais que se perca parcela do sono devido ao barulho da chave. E, mesmo que eu aprenda o esconderijo dos chocolates, mal reclama com pulso firme. Não é apenas uma mãe: é uma conselheira que, por vezes, cala. Não é apenas uma mãe: é uma juíza que adia o veredito. Não é apenas uma mãe: é uma brisa que sempre traz algo do mar. Não é apenas uma mãe: é uma médica que não se contenta com a própria especialidade. Não é apenas uma mãe: é o Sol quando há Sol, é a Lua quando há Lua. Não é, devo dizer, apenas uma mãe: é o que faz de toda mãe uma mãe...

Beijos amorosos,
De seu filho Fábio.

Obs: obra de Cézanne.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Drama e beleza através das lentes



Nem os olhos, nem a respiração, nem o desejo assumem um verdadeiro enlevo, se não houver beleza, se não houver apelo imediato das obras, se não houver, ali presente, uma confidência humana. Fato que se comprova em cada foto da exposição “Extremos”, no Instituto Moreira Salles. Tal é a gana para compreender o drama humano, tal é o volume das ondas da alma, tal é a abundância de realidade. Não há máscaras, nada disfarça a verdade dos olhos, nenhum anseio fica longe da superfície das fotos, jamais o mundo não se mostra inteiro, em sua miséria, em sua guerra, em seu preconceito, em seu pecado, em seu veneno, em sua tragédia.




Jamais falta a beleza da mãe que aconchega com ternura seu pequeno bebê; jamais falta o dom de ver uma paisagem, em todo seu esplendor, em todo seu sonho feito de luar, em toda sua alegria noturna; jamais falta a volúpia do corpo feminino. Qual será o paradeiro do destino humano? Talvez, só a flor de uma moça diante de um exército possa saber... Qual será o significado desse mundo de aparências que é o nosso? Talvez, só o olhar perdido, o olhar calado, o olhar sem brilho de Marilyn Monroe possa saber... Qual será o fruto dos esforços de tanto trabalho exaustivo? Talvez, só os olhos de um trabalhador negro, plenos de perplexidade, possam saber... Com efeito, tal exposição é uma densa oportunidade de tirar o limo do espelho que, de fato, impede a visão de nossos próprios olhos... Venham e não tenham medo de tamanha experiência.

Fábio Padilha Neves


Saul Steinberg: a sabedoria do traço



Não há exposição de renome que não traga, com vitalidade, a essência de um artista, uma beleza que se renova a cada imagem, uma capacidade legítima de ver o progresso das obras, de ver a cada passo o frescor e qualidade que se assomam, como se fosse necessário uma sequência de árvores para sentir toda presença do ar dos bosques. E é, sem dúvida, o que penso quando vejo a exposição “Saul Steinberg – As aventuras da linha”, na Pinacoteca. Raro é o artista que consegue ir de um tema a outro com tanta sabedoria, com tanta sensibilidade para o pormenor, com tanta acuidade para perceber a atmosfera ampla e variada do todo, com tanta alegria para interpretar o cotidiano de modo lúdico, com tanta energia no mínimo traço, na mínima caracterização de um personagem, na mínima possibilidade de ver humor em tudo, humor que apreendeu tão bem na cidade americana que lhe acolheu: Nova Iorque.




É difícil imaginar outra cidade que se adaptasse tão bem a seu traço, é difícil imaginar outra cidade que fosse dotada de tanto dinamismo cultural, de tanta latente modernidade, de tantas manias e modas, como toda grande cidade. Saul, através do traço enérgico, percebia tudo isso em Nova Iorque, sempre com a qualidade inata de todo mestre, que sabe ver o passageiro ou o duradouro, a ponto de cristalizá-lo no tempo, a ponto de tornar o passado eterna memória. E quem acha que apenas encontrará o artista urbano, vai se surpreender com os cowboys de Saul, com as paisagens solitárias do Oeste americano, com a vastidão marcada pelas ferrovias. Não há condição humana, não há paisagem ou cidade que escape de seu peculiar traço, não há simples foto que não se torne matéria-prima para sua criatividade, não há situação que não encontre motivo sedutor para se embeber de vida. Saul Steinberg se apodera do mundo com muita convicção, com muito lirismo, com muita gentileza quase ingênua, não fosse, por certo, a fina ironia, com muito amor para identificar, até mesmo, no mais simples inseto, um testemunho curioso da natureza. Vale, portanto, uma visita, na Pinacoteca, para se descobrir um trabalho tão original como é de fato e, sem dúvida, aprimorar a própria percepção da realidade.


Fábio Padilha Neves