terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Dom dos olhos



Murmúrio pleno de nuances, a fotografia sempre recupera a minha alegria de viver. Altar de meus sonhos, detenho-me a cada passo da exposição de Steve Mccurry, no Instituto Tomie Ohtake, como se tudo fosse uma profunda peregrinação. Deixo que meus olhos sejam beatitude sem pressa. Assim que uma cor se destaca, respiro fundo. Assim que uma forma vibra, compreendo o valor de minhas pálpebras. Mccurry possui o feitiço dos grandes artistas. Apreende não apenas um momento do mundo, como também o mundo de um momento. Sabe, como poucos, ver a tragédia ao longo dos fatos. Sabe, como ninguém, ver a saudade ao largo de tanta beleza. Sabe, com lucidez, ser a memória intensa de um povo, sem deixar de ser o esquecimento tão comum que logo se segue, sem deixar de ser o tempo que já não mais se contempla, sem deixar de ser o lugar que já não mais perdura.




Viu, talvez, pela última vez, o olhar verde de uma moça em meio ao turbante – Sol brumoso. Viu, talvez, pela última vez, o encontro de algumas mulheres que se protegem de uma tempestade de areia – Primavera numa estufa. Viu, talvez, pela última vez, o cavalo a percorrer um vale – Ventania de crinas. Viu, com arrojo, o rastro de uma criança por entre uma fenda urbana. Viu, sim, um poente em chamas enquanto camelos perambulam sem alarde. Viu, sem dúvida, o que há de mistério, o que há de névoa numa cidade sagrada. Tais trabalhos são, a meu ver, uma bela maneira de ir além da mera casca da fruta, de ir além da mera superfície cotidiana, para, assim, se apoderar da doce ou amarga polpa da condição humana... Não percam.

Fábio Padilha Neves


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