segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Teatro Vertigem: entre o choque e o dramático enfoque




Seja qual for a peça que se assista se espera uma vista panorâmica do ser humano, um certo distanciamento para que de algum modo se possa ver nítido a própria alma, tal como espelho que, se é posto muito de perto, nada se vê. Que surpresa não foi a minha, por sinal, ao ser espectador desta peça do Teatro Vertigem? Pois já não é mais ver a tempestade do mar de longe: é estar dentro do próprio dilúvio. Nem sequer ser apenas um passante furtivo por entre as ruas de Bom Retiro, mas sim viver cada história ali latente. Eis o que tal peça às avessas nos propõe. Cada ator que assume a fala nos convida a sentir bem de perto a sua respiração, o seu devaneio, a sua loucura.

Tudo de um modo tão consistente que nada dos aspectos teatrais fica de fora. Sob tal frisson, todos os presentes adentram a galeria aonde os fatos ocorrem sempre de maneira inesperada. A peça não é dividida em Atos como uma peça tradicional, no entanto, cada pequeno ato premente que se desata diante de nós vem pleno de furor e gana. Ninguém duvida que o chão daquela galeria, agora tablado, enfeitiça. Ver o sonho de uma mulher diante do vestido vermelho, na vitrine, por certo assombra a alma. Ver o peso abissal do trabalho de costureiras bolivianas algo solapa nossa consciência. Ver os urros de um mendigo a mostrar o quão finito é o destino aturdi, e muito, o nosso coração. E como ao mesmo tempo não se abalar e comover com os diálogos entre a faxineira e a manequim defeituosa? Assim cada vez mais aquele mundo que normalmente ocorre na surdina ganha voz - por mais rouca que por vezes seja. E me pareceu muito bem ordenada as idas e vindas dos personagens de acordo com as possibilidades inerentes da galeria e da rua. Tal é o momento inesquecível em que o mendigo, entre desvarios e lucidez, galga um muro de tijolos. Ou quando a moça que anseia por um vestido se perde na escuridão de uma rua de lojas fechadas. Ou ainda quando a manequim defeituosa vem toda torta num carrinho de carga ao longo da rua.

E que reflexão pungente entrar num teatro desativado, uma vez que tantas foram as cenas ali outrora executadas... Pois o que temos naquele instante senão pó e escuridão?! O que temos é a sombra da sombra de um palco? E onde foi parar as cortinas, que já não mais se levantam ou caem? Sem dúvida a peça continua lá dentro: somente não permanece intacta a nossa ideia de teatro. Não será esta, por ventura, a sua maior virtude? Quando algo se quebra em nós, é dos estilhaços que se possui a oportunidade de fazer novos mosaicos. É assim que a peça em questão mostra que Bom Retiro é tanto um bom quanto um mau retiro, pois apresenta o bairro em toda a sua crueza de significados. Através de tal peça somos por um momento peregrinos do caos de nossa cidade sem máscaras.



Obs: Foto do Google.

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