Há em cada ser mortal um pouco de ciclista, aptos que somos a
ser imóvel movimento ou pausa impausável, eis que é necessário aprender a ler a
brisa para não perder a razão de ser destino. Há algo deverás frágil em seus
ossos, ó ciclista, que lhe faz ir adiante. Pois o osso do joelho reivindica na
escuridão noturna uma relutância a se petrificar de frio. E os pés, presença
fluída, possuem o dom da leveza e premente beleza. E as mãos, atestado ímpar de
humanidade, seguram com gana sonhadora o guidão, desejo primeiro e último de
ser algum luar disperso pela rua, pelo corpo, pelas pálpebras...
Daria tudo, se possível, para descobrir para onde mira e
remira os olhos, ó ciclista, para quem sabe assim descobrir qual perfume vem ao seu
encontro, ou mesmo qual chuva há de revitalizar a sua pele. E, à medida que
percorre uma verdade a ser percorrida a despeito de tudo, as linhas fugazes
insinuam o quanto há de não morno corpo, o quanto há de descalça alma. Nada por
certo subtrai a alegria espontânea dos traços da roda, como se trouxessem nas
suas formas alguma insuspeita condição para girar tal qual o mundo. E o fato de
haver corcunda em seu modo de pedalar demonstra que, apesar da liberdade ante o
chão, para o chão - para o pó do pó do chão voltará.
Obs: Pintura de Iberê Camargo.
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