sábado, 8 de junho de 2013

Menos Anita, no Cemitério da Consolação




Poderia contar de minhas andanças reais no Cemitério da Consolação. E existiram de fato, uma vez que andei por cada estreita rua desta cidade que não é cidade, mas que considero cidade. Por tantas vezes lá estive que cheguei ao ponto de adquirir uma coceira intransigente na última vez que fui. E tão tomado sou por sua história que, mesmo em carne viva (pois de verdade estou vivo), jamais deixei de pensar naqueles habitantes. E um, justamente um, me apareceu em sonho. Seu nome é Júlio de Mesquita. Quem deveras empreendeu inusitadas mudanças num jornal de tal modo a torná-lo "O Estado de São Paulo". Homem de perfil sério e compenetrado com os seus afazeres, por mais morto que já estivesse. No entanto, qual lampejo noturno, surgiu sereno. E tinha um amigo em particular. Muito ou pouco amigo, jamais saberei. E que gostava mesmo de visitar aquelas bandas íngremes da quadra 25. Pois lá é o túmulo robusto de Monteiro Lobato. De mármore escuro, e sem nenhuma escultura, que denote algo de outrora, embora muito prezasse este tipo de arte. Arte que predomina no Cemitério, quer se queira ou não queira, Tarsila do Amaral, também com ilustre presença.


Júlio de Mesquita realmente tinha algum estreito elo com Lobato. Afinal ao fundar a Revista Brasil, depois de um tempo foi para as mãos do criador do Sítio do Pica-pau Amarelo. Somente não deu para perceber em seus olhos o quanto acreditava ou não nas ideias de Monteiro. Ainda mais a respeito do caso de Anita Malfati. Que se lá estivesse enterrada em que parte gostaria de ser enterrada? Ao lado de uma obra de Brecheret? Seria justo, bem justo. Ao menos, seria a obra que talvez tivesse arrojo quiça semelhante ao arrojo de Anita. Entretanto, ainda tenho dúvidas. Pois há uma que muito me intriga, e que talvez tenha mais conexões com a vida de Anita. Que se chama "Ponto de Interrogação", de Francisco Leopoldo e Silva. Túmulo de um advogado que se suicidou, depois que matou a amante. Claro que a vida de Anita não foi tão trágica. Mas de algum modo por causa de Monteiro Lobato foi. E, se o seu túmulo lá fosse, seria numa das mais pitorescas veredas do Cemitério. E é justamente nela que há a escultura de uma atlética mulher, num movimento retorcido, e à sua frente uma bola maciça de pedra. Ou seja, o seu ponto de interrogação. E na face da obra todo um drama que é o drama do advogado. E que bem poderia ser, em outras circunstâncias, o drama de Anita. E assim a artista num extremo do cemitério e Monteiro Lobato do outro. Por algum momento Lobato varreria as folhas secas da alameda de Anita? Ou ainda colocaria a mão naquela bola maciça? Como adorador do passado, talvez diria qual Hamlet: Palavras, palavras, palavras...

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