terça-feira, 11 de junho de 2013

Extrema bênção




Não, não foi apenas a extrema unção que abençoou a morte de meu avô. Foi também os olhos de meu pai. Foi principalmente os seus olhos. Meu pai, num puro esforço, foi de São Paulo à Parnaíba para vê-lo. Estava à beira da morte, mas com tanta vida para ainda ser olhos. Ao chegar em sua casa natal, onde de fato nasceu, onde por certa vez o meu avô lhe protegeu. De algo que tinha feito na rua. E assim bateu com os chinelos na parede a fim de não machucar o meu pai. Ao chegar em sua casa natal, na qual meu avô a tudo se dedicou com o fim de vir a ser deles. Uma casa simples, mas nobre. Uma casa de quintal em que por tantas vez se bateu caranguejo. E eu por ventura junto. Uma casa onde na parede ainda está a foto de meu avô: que quando marinheiro por algum tempo se empenhou em ser. E uma de suas tristezas foi não ter permanecido mais. Por causa dos estudos incompletos. Uma casa de redes cor pastel que até hoje meu pai deita, eu deito, meu avô não mais. Uma casa de alegria serena, de brisa que aqui chega. De cadeiras à porta para que haja prosa. E jamais me esqueço do momento em que já com idade minha avó dava banho de bacia ao entardecer em meu avó.


Uma casa que já conheceu a subida do rio. E que firme suportou. Uma casa que já teve a oportunidade de ver o meu sobrinho. E no dizer de minha avó: "Uma macaxeira de molho". Uma casa humilde de azulejo azul: da cor dos olhos de meu avó. Uma casa que com o sal da praia sempre me recebeu com frescor de ducha. Uma casa em que me lembro mais do mosquiteiro ao luar do que do próprio luar. Uma casa de um móvel antigo onde descobri uma das minhas primeiras leituras. Uma casa onde morcegos passam ao largo da noite. E em nós nenhum temor. Uma casa onde já não posso mais ver os passos alegres de meu avó enquanto cantarolava. Uma casa onde a minha avó, um pouco cega, já não pode mais encontrá-lo. Uma casa de amor, sim, de amor. Uma casa em que ainda uma vez meu pai teve a chance de olhar para os olhos de meu avó. Foi a última verdade na vida que o meu avó viu. E até hoje meu pai carrega consigo. Por onde vai meu pai carrega consigo. Consigo.

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