terça-feira, 2 de agosto de 2011

Louise Bourgeois: a gana do auto-engano



Na vida, de modo geral, tudo o que é novidade, tudo o que se apodera de nós por sua legitimidade do presente, sempre nos seduz de maneira arrebatadora. O que dizer de seu avesso? O que dizer do valor do tempo, justamente quando não esconde o rosto da morte? Louise Bourgeois mostra, com extrema acuidade, a ação perturbadora do tempo, a região inominável da morte, as cinzas da ferida. Nenhum material se origina sem seu sentido trágico, nenhuma verdade se encontra sem ser à flor da pele ou à flor um tanto murcha da pele. Cada objeto que se extrai das raízes profundas da dor e, portanto, do amor, por vezes, restabelece a ternura, crava na pele o desejo, sem suprimir a saudade. Se há uma instalação que instila surpresa pela capacidade de ser visceral, de ser unha e carne ou, talvez, carne sem unha, não posso deixar de pensar nos trabalhos de Louise.




Não posso ser alegre sem meu choro, não posso ver o abismo sem minha respiração, não posso entrar numa floresta sem deixar de me perder, enquanto em algum lugar sussurra o rio... Qual a escultura que não pulsa como as entranhas? Qual a cor que não mostra a vitalidade estranha do organismo? Decerto, a artista toca no fundo da alma através da vívida escultura da mão que freme de dor, que, sem dúvida, se contrai com muitos dedos e pouco consolo e, por outro lado, a extensão de tal obra: ainda uma mão só que, dessa vez, no intervalo da luta, no exato momento em que a dor arrefece. Louise vivencia o próprio trabalho com uma sublime percepção da atmosfera trágica do mundo, do peso da existência, da inelutável compreensão do tumulto da alma. Com efeito, a harmonia, para Louise, não quer dizer leveza, não quer dizer uma busca pelo belo, mas, sim, a presença do metódico, do racional, da ciência pela ciência, da vida sem mistério, sem deslumbramento. Giacometti enxergou muito bem a fugacidade humana, como se seus andarilhos sofressem o rigor implacável dos ventos, enquanto Louise dá a impressão de criar esculturas, como se estivessem imóveis pela ação radioativa da vida. Não se pode negar, portanto, o efeito perturbador de seus trabalhos, o que, sem dúvida, favorece uma oportunidade de visita, no Instituto Tomie Ohtake.

Fábio Padilha Neves


3 comentários:

  1. Gostei bastante do seu texto, Fábio, muito bem escrito, como de costume.

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  2. Fico muito feliz que tenham gostado do texto. Aprecio cada vez que os encontro por aqui!

    Abraços,

    Fábio.

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