terça-feira, 9 de agosto de 2011
Laivos do Inferno e do Paraíso
Nenhum artista criterioso, nenhum pintor perspicaz recorre à fotografia em vão, já que a foto de uma pintura de Gerhard Richter perde, aqui e ali, em percepção de empastamento e ganha, por outro lado, em vitalidade de magma da cor, como se fosse apreensível a explosão luciferina do cosmos, como se fosse nítido o estremecimento das estrelas, como se fossem tangíveis os gases cósmicos ávidos de espaço. Cada abismo contido em apenas uma cor escura escancara o vazio do pesadelo, visto que jamais apazigua os olhos, como se a tinta também possuísse seu próprio Inferno, como se o plasma da tela não tivesse cura nem redenção. Mesmo quando é possível discernir uma realidade menos assustadora, ainda assim prevalece na fotografia a hesitação de enfoque, o irrevogável tumulto da alma, pois nada do que vejo sustenta alguma quietude, provavelmente porque as paisagens de Richter se assemelham a vultos que sempre se esquivam, que sempre se recusam à transparência de julgamento do Sol.
No entanto, Richter se apodera, vez por outra, de determinada foto com um poder de bruma, como se o nu feminino fosse um cântico de amor, à medida que cria uma atmosfera de pele que apenas as mãos e os beijos conseguem decifrar. Do mesmo modo, as “128 fotografias de uma imagem” dão-me a soberana sensação de uma sublime textura lunar pronta para revelar os mistérios do Sol, naquela superfície. Decerto, sua curiosidade inventiva nem sempre dá certo, mas quando acerta nada é mais prazeroso. Verdade que logo se confirma na “Pintura Abstrata”, de 1990, não raro plena de carícia, não raro plena da calidez do cinza, não raro plena de silêncio e poesia. E qual não é a surpresa quando não deixa de ferir a cor sobre a superfície de uma tela? Qual não é a surpresa quando cria a fresta nada incidental da cor na cor sobre a tela? Gerhard Richter é, acima de tudo, o pintor que desconfia da pintura, e mostra que todo ceticismo genuíno deslumbra... Portanto, são obras que, sem dúvida, vale a pena conferir na Pinacoteca.
Fábio Padilha Neves
Obs: clique nas imagens para aumentá-las.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário