terça-feira, 23 de agosto de 2011
O dom sublime do enlevo
A experiência espiritual sempre foi a aguerrida possibilidade de ir ao encontro do inefável, de ir em busca da seiva silenciosa que percorre a alma e nada senão a poesia para trazer com tanto ímpeto tal sentimento, com tanta superação do corriqueiro, com tanta sabedoria de si para o que há de si nos outros. A poesia, já foi dito por alguns, comunica o incomunicável, comunga com o indizível. Possui, antes de tudo, lábios que apenas a brisa decifra, olhos que apenas o entardecer revela o lampejo, mãos que reconhecem apenas a suavidade do pêssego, narinas que apenas o perfume acalenta. Não há uma única sensação que não seja promessa do inaudito, que não seja doce promessa de alegria sem pressa, que não seja longa promessa de um infinito que não se preocupa afinal com a duração do percurso. O infinito é sempre a distância do próximo passo com a respiração do próximo enlevo. O infinito é saber o caminho de casa através do perfume da dama-da-noite. O infinito é não temer a própria finitude.
A poesia não é apenas a voz ao longo da própria respiração, mas, sobretudo, a pungente respiração ao longo da própria voz. Não possui desfecho: é o começo e recomeço de si mesmo como o mistério das ondas do mar. Não é um ponto de chegada, é um ponto em que se desconhece com precisão a partida. Nada comove tanto sem causa imediata nem motivo original, nada comove tanto sem qualquer ânsia por qualquer futuro que já não esteja aqui. Vem com o intuito de fortalecer sem que se perca a vulnerabilidade, sem que se perca o dom para perceber tudo o que é precioso e, portanto, frágil. Mais que um momento com Deus é um momento em que jamais pode deixar de ser com Deus. Mais que um momento de solidão é um momento de companhia consigo próprio, um momento de ser o que não se pode ser de outro modo. Ao invés de meditar de olhos fechados, seja você mesmo só olhos para ser todo meditação. Ao invés de ir ao encontro do silêncio, deixe que o silêncio te encontre. E talvez assim todos descubram o que nem sempre se descobre, o que talvez se leve uma vida toda a procurar e uma eternidade toda a murmurar...
Fábio Padilha Neves
Obs: Obra de Paul Klee.
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