domingo, 28 de agosto de 2011
Giacometti: a fome ainda sem nome
Todo escultor, todo grande artista, todo modelador por excelência jamais se apodera do mundo sem absoluta entrega, sem absoluta energia criativa, sem absoluta fome de substância táctil. Giacometti, homem que encerra nas mãos o calor, o magma do centro da Terra, homem que adquire feérica lucidez à medida que as mãos labutam, homem que medita antes que a escultura perca a profecia da umidade, enfim, qual o homem, qual o ser humano que Giacometti, ao mesmo tempo, não tenha sido? Qual a respiração que não deixou de compreender? Qual o olhar que lá no fundo não tenha sido seu? No começo da carreira, nada ainda indicava o drama latente dos trabalhos do porvir, uma vez que ainda não havia as ardentes texturas, ainda não havia a precariedade sem retorno, ainda não havia a tristeza na carne. Giacometti, por sinal, tinha, nos primeiros trabalhos, uma franca empatia por algo racional, por algo que as mãos ainda não reconhecem como insana vigília, por algo ainda sem o toque dos deuses... Será que foi por causa da Segunda Guerra Mundial que Giacometti encarou melhor o abismo? Sem dúvida, a partir do fim da guerra os trabalhos ganham densidade longa e duradoura, buscam, acima de tudo, a lei que ainda rege o âmago do ser humano, apreendem com maior consciência, para nossa surpresa, a hesitação, o medo, o pranto seco, natural em toda guerra...
E qual não é a resignação, qual não é o rosto erguido, qual não é a fragilidade firme que, de fato, jamais deixamos de ver em cada escultura? Não mais o sólido, não mais o equilíbrio sóbrio, não mais a impecável suavidade de textura – não – pois o que vemos agora é o corpo prestes a rachar, prestes a ser material intratável às mãos, prestes a confundir o que é dor e o que ainda resiste, prestes a receber o sussurro do pesadelo. Não importa qual a postura, qual o silêncio, qual o desejo subterrâneo, qualquer escultura de Giacometti transpira, pulsa e freme. Devo dizer que Giacometti não se bastava na escultura, pois além de escultor se empenhava na litogravura, no entanto algo me diz que nessa técnica o pensamento de Giacometti vinha mais devagar que as mãos, como se fosse um sonâmbulo em busca de formas que se esquivam, como se os objetos fossem mais espectros e, concomitantemente, menos substâncias palpáveis. Giacometti, a meu ver, precisava, vez por outra, do desenho ou da litogravura para incendiar o desejo por algo mais ardoroso que só mesmo a escultura lhe possibilitava, que só mesmo o alvoroço da respiração lhe trazia com ímpeto, que só mesmo as mãos ainda não de todo secas, ainda não de todo úmidas esperavam. Sem Giacometti, o que seria da franqueza sem pudor do artista? O que seria do mundo, sem o mundo de Giacometti? Acho que não preciso responder...
Fábio Padilha Neves
Obs: Obras de Giacometti.
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