segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A cor prestes a ser benção



Quantas vezes a fé na pintura não me salvou a alma do tédio? Quantas vezes o vigor de uma pincelada não trouxe a beleza reverente do mundo? Não consigo imaginar a arte como um meio de fuga, nem muito menos com certo desespero que toda fuga possui. Não; a arte é sempre o reencontro com a labareda do coração, é aquele vento que ao invés de apagar atiça a chama, é aquele vento que enfuna a vela de uma embarcação ainda não de toda plena de mar. Não há mar sem Cézanne, não há frutas sem Cézanne, não há frescor de arvoredos sem Cézanne, o que há sem Cézanne? É o que me pergunto sem resposta, é o que sonho sem querer um fim, é o que respiro sem saber ao certo quando se extingue o perfume. Cézanne é a minha única tristeza alegre, é a minha única beleza que dói de tão bela, é o meu único Sol que se perde na bruma. Cézanne descobriu na pincelada o poder de silenciar qualquer rumor despropositado da natureza, descobriu que a cor é a primeira confidência do amor e a última esperança de quietude. Mostra em cada detalhe a virtude da paciência, o desejo inaudito por uma franqueza prestes a ser delicadeza, prestes a ser benção.




Qual a pele feminina que fique sem tênue rubor? Qual a rosa que fique sem a felicidade imponderável da cor? Qual não é o insuperável equilíbrio, a insuperável sedução das cores para alcançar com tanta leveza o deslumbramento? Quanto mais se olha um quadro de Cézanne, mais os olhos compreendem o sentido da vida, quanto mais embevecido se olha, mais os olhos desmentem os vícios e insatisfações do próprio olhar. Em Cézanne, ver significa sempre olhar com os olhos ternos pela primeira vez, ver significa sempre olhar com os olhos trágicos pela última vez... Como é possível ver e não existir, ouvir e não existir, ser com toda paixão e ainda assim não existir? Cézanne mostra que não é possível... Cézanne mostra que, sem dúvida, há em todos nós uma verdade que não se cala, um silêncio que jamais deixa de reverberar a intensidade do momento, além de uma maravilhosa oportunidade de ter consolo sem perda de fibras. Cézanne: o fim de jamais haver fim em cada descoberta...

Fábio Padilha Neves



Nenhum comentário:

Postar um comentário