sexta-feira, 29 de julho de 2011

A substância impalpável da cor



É, sem dúvida, curioso o quanto uma paisagem urbana, de início de carreira, já diz muito sobre o temperamento de um homem que se tornará supremo artista abstrato. É o que se percebe, com vigor, na obra “Gasômetro”, de 1957, em que Arcângelo Ianelli debruça-se sobre esta região de São Paulo, com extrema vitalidade na modulação de cores e formas, na intensa busca da melhor temperatura da luz, na doce sabedoria de apreender o perene. Até mesmo, quando o artista concebe uma paisagem marítima, de 1959, descobrimos uma ressonância harmônica das cores, como se mar e praia fossem quase de um mesmo elemento.




Qualquer que seja a técnica, Arcângelo sempre sopra a mesma chama noturna, como se, para nosso deleite, os anos lhe trouxessem maior apuro e densidade da cor. E maior sutileza e parcimônia no uso da linha, a tal ponto que a cor esfuma a primeira, embriaga, plena de frescor, a superfície da tela, uma vez que o delírio de uma cor se transubstancia na aragem de outra. Portanto, qual a cor em Arcângelo, nos trabalhos abstratos, que jamais possui algo de tirana? Qual a cor que não produz suave esquecimento das formas, como um beijo sedento por língua, como a abundância de um rio absorvido pelo silêncio de uma rocha? Cada pincelada que se apodera de nós sugere quietude e um leve tremor de lago, para introduzir a voragem do mistério, para, quem sabe assim, sentir o que há de impalpável na noite.


Fábio Padilha Neves




Obs: Obras de Arcângelo Ianelli; não encontrei imagens pertinentes de sua primeira fase.

Um comentário:

  1. Que texto límpido,inspirado e esclarecedor sobre esse nosso grande artista que tanto admiro,Parabéns.

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