Falar de música, para mim, exige toda a delicadeza do mundo.
Pois o mesmo silêncio do pianista se faz necessário à arte de recuperar quem
sabe um pouco da doçura das notas. Cada palavra deve encontrar a pureza do som
cristalino do piano. Não deve pesar mais do que o comum, uma vez que devo
aprender aquele voo que surge no lusco-fusco da tarde. Devo descobrir em meio à
amena temperatura noturna quando é a melhor hora de ser dama-da-noite. Devo
abençoar a manhã com o milagre do orvalho. E na verdade basta o movimento das
mãos de Mehmari para que isso ocorra com tanta verdade.
Tudo o que era silencioso segredo entre as juntas dos dedos
se torna ato de fé com o pungente toque das mãos. Nenhuma condição deste
artista recebe maior batismo do que pelas mãos. André Mehmari lê as próprias
mãos enquanto toca. Auferi ali mesmo o quanto ainda possui de destino. Sabe por
um resvalar de notas quando é infância, quando é juventude, quando é
maturidade. Prolonga uma eternidade com apenas o dom de uma nota. Respira um
bosque à medida que busca uma melodia. De uma nota a outra é bem possível
desembocar no encontro de caudalosos rios. E qualquer eclipse que fique entre
silêncios não é mero acaso. Saboreia os ingredientes do prato que prepara, um a
um, até que os aromas por fim se tornem unos. E não para jamais de desenhar
diante de nossos olhos a paisagem, pois quem fica de saudosos coloristas somos
nós. Como gostaria de ser o que há de derradeiro nas notas de Mehmari...
Obs: Foto divulgação que encontrei na web.
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