A música, sim, somente a
música, para ser parte do mundo um pouco antes de ser parte infinda de mim.
Somente a música se apodera de minha finitude para torná-la mais íntegra, mais
humana, mais plena de tudo o que é vida. Foi, sem demora, através da presença soberba
do violoncelista no palco que minha alma descobriu algo de único, pois, desde o
primeiro momento em que fincou seu instrumento no chão, já era patente o ímpeto
desse artista. Cada movimento era um sopro inteiro de vento ao longo da
floresta. Olhar era mais do que olhar: era relampejar. Respirar era mais do que
respirar: era toda uma chuva de verão. Coordenava o mundo com apenas um acorde,
prestes a ser canto de galo na vastidão da bruma. Quem olhasse, diria que, em
alguns momentos, o violoncelo, tal qual mulher, algo sussurrava rente ao
pescoço do artista – ambos enamorados de firmamento. E os pés nada podiam
contra o desejo de dançar, nada podiam contra o desejo de volúpia. Qualquer
pausa do porvir era motivo para algum denso arco-íris, cuja ternura apura ainda
mais os ouvidos. E a música, sim, a música, era toda minha, era toda revelação
do inaudito, era aquele perfume de moça na memória. Ou então, uma alegria de
louça a refulgir na luz da tarde. Que faz menos louca a minha loucura, que faz
mais douta a minha doce ignorância... Para assim ser sempre, ó música, minha e
de ninguém, para ser sempre do mundo e de mais além, para ser sempre uma hóstia
cujo sentido está no Amém...
Obs: Foto de Tchaikovsky.
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