O que, meu Deus, há de sono
sem possibilidade de sono no rosto deste rapaz? Será que sou capaz de antever,
na pincelada de Lucien Freud, a dor ali latente? Para onde tu olhas, sonhador
rapaz, já que no ato de olhar, tu não sabes discernir o que a lembrança traz de
esquecimento, nem o que o esquecimento traz de lembranças... Bem sei que apenas olhas: prestes talvez a
fazer de teu próprio olhar clarão? Ou então, nada há ali senão alguma sensação
de crepúsculo, sem qualquer motivação premente, com pálpebras de brasa mortiça?
O que desponta em teus lábios, meu caro amigo? Seria a edificação de um
sorriso, breve mas duradouro, ou, na verdade, o balançar de seus alicerces a ponto
de ruína? E pensar que esta tua mão tão frágil sustenta o mundo de teus sonhos...
De uma cor tão pálida, meu Deus... Rubra, apenas na ponta dos dedos, para dizer
de algum modo que ali o sangue circula... Vejo, sim, o quanto há de matéria e
sonho em teu rosto, vejo, sim, o quanto de teus cílios dizem sobre ti, vejo,
também, o quanto Lucien se dedicou com gana a exprimir o cosmos de tua pele,
sempre plena de melancolia, nem sempre plena de alegria... Vejo e não quero
parar de ver porque tal rosto sou eu – pobre e pouco. Tal rosto diz o que, por
sinal, tento falar e, no entanto, falho e calo. Tal rosto jamais abreviará,
apesar de tudo, o meu desejo de ser rosto, o meu desejo de ser para além de meu
rosto: algo que sei quando começa, mas que não sei quando cessa. Meu rosto que,
por mais que não resista por toda eternidade, ainda assim jamais deixará de ser
meu rosto. Basta que me procurem em Lucien Freud...
Obs: Obra de Lucien Freud.
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