quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Mônica Lisa vista de viés





Ao longo de alguns anos, exerci a função de educador no Mube, de tal modo que tive, entre uma e outra exposição, a oportunidade de compreender o quanto a arte pós-moderna conflui e assimila a arte de outrora de uma maneira muito curiosa, e, por mais que haja discordâncias tácitas de significado, não me impede que eu tire conclusões paradoxais deste elo entre público e obra. Se a arte pós-moderna possui a qualidade de provocar o expectador, qual não é a alegria de recuperar de algum modo o frescor do passado? Claro que a Mona Lisa é inconfundível, tal é a sabedoria com que Leonardo da Vinci sopra com suavidade aquela luz soberba. No entanto, basta estar diante da Mônica Lisa para que algo nos toque, talvez por que jamais disfarça o próprio sorriso, além de desmistificar tal ícone como tantos e tantos já o fizeram. O que, entretanto, era talvez para ser, sobretudo, mistério diante dos olhos ganha novos significados, pois a empatia, percebida numa visita, entre os alunos e a Mônica Lisa é de tal outra ordem que mais uma vez o lúdico prepondera.

Eis o desejo de Maurício de Sousa: seduzir para depois, na hora certa, instruir. Assim, num mundo onde tudo se evapora com facilidade, talvez a perspectiva geográfica do quadro renascentista ali presente, por cópia, pouco chame a atenção, embora tenha sido uma árdua conquista ocidental. E nem sempre se percebe o quão sutil é o sorriso de Mona Lisa. Ir de um quadro ao outro, do que se vê rapidamente ao que se demora com vagar, da vertigem ao que é duradouro, é uma questão com que me deparei por muitas vezes.

Pois o que é um personagem de gibi senão algo que se esvai rapidamente de acordo com a trama vigente? Será que de algum modo permanece na mente depois de um virar de páginas? O que vale mais: uma sequência ordenada onde se apresentam um personagem ou o mesmo personagem em apenas um quadrinho isolado dos outros? Por quanto tempo ali uma cor é ainda cor, uma linha é, não sem enlevo, uma linha? Não traria aquele quadro da Mônica Lisa certa ansiedade de que algo acontecesse, de imediato, diante de nós? Não traria, por sinal, um vazio tão típico de nossos tempos? Ninguém duvida que seja válida a tentativa de seduzir para depois, na hora certa, instruir, mas até que ponto seduz de fato? Até que ponto, na verdade, jamais deixou de ser uma vontade subterrânea de manter a lógica do mercado tal qual sempre foi ou tal qual sempre será?

Não quero tirar o mérito do poder que a Turma da Mônica possui de plasmar uma identidade cultural de gerações sucessivas. O que me intriga é ver o quanto, mais e mais, poucos são aqueles que vão fundo nas qualidades plásticas de um quadro, tal como se fosse, a meu ver, um mergulho revigorante de mar. Não devido à falta de tentativas louváveis como estas de Maurício de Sousa, mas que, por outro lado, me parecem um pouco ingênuas no que diz respeito ao verdadeiros efeitos alcançados. Maurício de Sousa produz assim ondas artificiais como aquelas de parques aquáticos, e não ondas de densa substância e veracidade. Jamais se sai diante dos Quadrões da Turma da Mônica com aquela sensação de sal no corpo e na alma. Eis a diferença fundamental entre Mona Lisa e Mônica Lisa.


Obs: Obras de Leonardo da Vinci e Maurício de Souza, respectivamente.

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