Eis Caravaggio, eis a
absoluta veemência do pincel, num ardil comovente, enquanto a cor peregrina
desbrava o que, muitas vezes, permanece sem palavras. San Girolamo, a meu ver,
é puro acalanto aos olhos. E nada, nada senão o que resvala de luz em seu rosto
a fim de que ainda haja redenção. San Girolamo, através da franqueza do olhar,
transmite uma retidão e sabedoria que jamais se perde de vista, tal qual um
mergulhador sobre um penhasco, prestes a se lançar nas profundezas do mar. San
Girolamo, a quem desde agora e sempre amo, perpetua entre os dedos o desejo de
mais tinta, de mais gana por vida. Decerto aquele corpo magro e rijo e aquela
alma forte e sensível, de San Girolamo, compreendem o que não compreendo,
confessam o que ainda estou por confessar, profetizam o que jamais ao certo
profetizarei a contento. Tua alma, Girolamo, somente a tua alma, é rubra como o
tecido que lhe cobre, somente a tua alma traz não de outro modo a alvura suave
do linho que se derrama da mesa, somente a tua alma em nada teme a caveira que
lhe faz companhia – que não o julga por já não ter mais olhos, que não o
blasfema por já não ter mais dentes. E, então, se não sou capaz, portanto, de
lhe dizer adeus, ainda assim, me despeço de ti apenas de uma única maneira:
através do ardor das pálpebras.
Obs: Obra de Caravaggio.
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