quinta-feira, 3 de março de 2011

Alguma substância lunar



O espelho é uma atividade tão solitária que toda presença alheia dispersa.


Os meus livros envelhecem comigo, embora tenham uma vantagem: a memória permanece a mesma...


Temos apenas um corpo de bombeiro para a vastidão de nosso coração.


A amizade é o primeiro esconderijo para a inquietude de alguns homens. A solidão é o último; sempre o mais precário e, no entanto, o que traz mais surpresas.


Para aquele que faz uma ansiosa pergunta sobre um livro, tenho a seguinte resposta: “Poxa, me perdoe, mas a minha mão é muito pesada para mármore tão delicado...”


A lei da gravidade: uma maneira de ter os pés no chão, sem ter outra escolha...


Sou contra a correnteza por legítima causa. Por que diabos foram me dar raízes mesmo debaixo d’água?


Simpatia é sempre a última impressão que fica.


Por que a centelha mal conduzida nos pentelha tanto?


Aquele que enche a boca para falar da verdadeira amizade, não raro se engasga com a própria saliva.


O cão fareja sem saber, ao certo, se é suor, sangue ou medo, o que fareja...


A serpente do Paraíso é uma alcoviteira que desconhecia, por completo, Adão, até que veio a maliciosa idéia de sugerir uma maçã para Eva.


À medida que você acredita ter algo muito original a dizer, some por completo a capacidade de discernir quando...


Pudor é um cavaleiro que dança com todas as moças da festa e, justo quando deseja uma delas, teme reconhecer o perfume, mas não saber qual é afinal o seu nome.


A miséria humana é um grito mudo que queima as pálpebras, endurece os tímpanos e torce as cordas vocais. É o desejo de encontrar o reflexo do azul do céu num pântano. É o ato de dissecar as vísceras em busca da alma.


Ser vesgo é quando um olho escuta o outro com atenção.


É tão mais fácil perder a piada e, ainda por cima, o amigo.


Aquele que é coadjuvante e não possui consciência, inspira o riso. Aquele que reconhece não ser nenhum herói e não guarda tampouco algum desespero, percebe que sua vida é melhor realizada nos entreatos.


A loucura é como o horizonte; só o Sol pode tocá-lo.


Ter uma boa imagem, ainda não corresponde a ter uma boa frase.






Aquele que chega cinco minutos antes da exposição acabar, e diz que vai apenas dar uma volta rápida, para não perder viagem, é como alguém que anda de montanha russa e pretende assim tirar algumas fotos da paisagem.


A mentira é como os focos de fogo numa floresta. Apaga-se um e logo surge outro.


Um epitáfio na lápide de um grande autor é a melhor maneira de tirar leite de pedra.


Sempre dizemos “Como esse mundo é pequeno”, quando encontramos um amigo querido e, não seria mal dizer “Bem que esse mundo poderia ser um pouco maior”, quando encontramos um inimigo.


A velhice é a época em que até cadeira de balanço enjoa.


De sonso para insosso é um pulo sem muito impulso.


O drama cotidiano é o fato de o efeito das causas sempre chamar mais a atenção do que a causa dos efeitos.


O farol brilha com a mesma alegria que uma criança tem de mostrar o seu dente de leite.


Há leituras que são como o mar morto: a intenção é um vigoroso mergulho, no entanto só flutuamos.


Solidão: um trovão que ninguém consegue domesticar.


Os ouvidos não possuem a mesma hesitação que os olhos para usar as suas faculdades.


Muitas vezes, a pergunta é um preconceito que não sabe vir de outra forma.


Liberdade: um formigueiro dentro de uma jaula...


Amor: cheiro de fruta no ardor da manhã.


Amor: incêndio por toda igreja, a ponto de permanecerem apenas os sinos.


Amor: casulo que leva, dentro de si, o sol frio de suas cores nada frias...


Saúde: ser de ferro e aço ante a suavidade peregrina do tempo, ser de carne e osso ante a dureza pendular da vida.


Ansiedade: riscar um fósforo no mármore mais próximo.


Ansiedade: o delírio da sobriedade.


Há situações que são osso duro de roer. Digo mais: há situações que nem a carne é algo tão fácil de roer.



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