quinta-feira, 29 de julho de 2010

A vida entre os dedos



Cada vez que relembro o trabalho de Fernanda Alexandre tenho à minha frente as palavras deste título. E posso até descrever cada detalhe, cada impressão que surge diante de seu drama. Mas não o farei sem antes sofrer o que sofreu ou, ao menos, ter rente à minha pele o significado doído de seu diário. Sem dúvida, não é possível o distanciamento para aquele que permanece algum tempo preso, absorvido e instigado por sua obra. Sua dor já era material espiritual na exposição Reticências, que participou; só que agora não há a veemência do corte cego no tecido, não há a luta ingrata entre forças opostas, não há a escuridão que é rasgada, de lado a lado, sem termos certeza de qual será a próxima ferida. Não quer dizer que tudo tenha terminado, quer dizer apenas que a vida, por vezes, requer de nós novas posturas ou, então, é necessário um grande período de seca para que nossas raízes sejam mais profundas.
Talvez seja, por isso, que em vez da cor negra, temos a claridade do algodão, em vez do rasgo, a costura que une o exame de glicemia àquela brancura; em vez da fúria, a resignação esperançosa; em vez de um dia contra o outro, um dia que vai ao encontro do outro, através da intensidade resoluta de quem quer viver; cada um dos exames ali expostos adquire o valor de maratonas conquistadas, de novas temporadas de Sol, de mexericas que precisam de nossas unhas para soltar, cada qual, seu perfume. Portanto, seu trabalho não é apenas um diário e sim, também, um testemunho para o mundo.

Obs: Foto de Marcia Gadioli.

Nenhum comentário:

Postar um comentário