quarta-feira, 21 de julho de 2010

O que arde sem alarde




Ao longo desta exposição que versa sobre livros de artistas, já tivemos trabalhos de diversos tamanhos e aspectos, cada qual ousado à sua maneira, ora de forma mais sutil, ora de forma mais contundente, de acordo com a necessidade própria que a proposta sugere. Assim sendo, o trabalho de Adriana Affortunati pertence à segunda vertente, pois ela se apodera do espaço expositivo, mais precisamente a escada, para penetrar e dar outro sentido à realidade natural das coisas. No entanto, por mais que a arte contemporânea sempre nos surpreenda por seu arrojo, nem todas conseguem expressar tanta intensidade como o trabalho de Adriana. Não apenas porque seu tecido desce da parede aos degraus, como também devido à cor em nada homogênea de algodão em contato com o pó de café.
E é aí que começa o sonho, de perceber como as dobras animam a superfície, de discernir que aquele roto tecido, prescinde muitas vezes de suavidade, pois se prolonga com aspecto truncado, retorcido, onde, vez por outra, vemos palavras ou apenas uma instável costura como a presença de uma cicatriz. Com efeito, se há algo a dizer sobre a memória, Adriana nos diz através da dor calada, da maciez ferida do algodão, do atrito áspero entre o tecido e o chão, da cor terna do branco à cor fustigada do pó de café. Dor e alegria fazem parte desta mesma trama de tecido cru, da mesma tenacidade que devemos ter para seguir adiante.
E se, por acaso, encontro uma dobra delicada ganho o meu dia ou se percebo o cuidado de uma costura noturna resisto à minha dor e assim reconheço o quanto há de humanidade em seu trabalho e de como a vida pode ser melhor...

Obs: Fotos de Marcia Gadioli.

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