Nada na vida se assoma
no coração com tanto arrebatamento quanto as obras de Marc Chagall. Dizem que o
Cubismo lhe influenciou muito e de fato ninguém o nega, no entanto as ruas de
sua terra natal já eram cubistas, pois havia sempre algo de incongruente e
esquivo nas casas e ruas de seu vilarejo. Nos primeiros trabalhos, o néctar e o
mel jamais haviam ainda feito algum pacto, sem saber ao certo o quanto de favo
e o quanto de atmosfera ao redor da colmeia prevalecia. Pois havia sim algo das ruas, havia sim algo
do recolhimento das casas, mas quando ocorreria o eclipse de ambas? Acredito
que essa magistral abelha sabia que tinha duas residências. E já na maturidade,
de uma a outra, trazia as confidências da poesia.
Confidências que o
exílio reverberou pleno de ardor. Chagall, a meu ver, ansiava na distância do
exílio aquele doce delírio da memória, como se todo vento viesse de Vitebsk,
como se a carruagem do luar trouxesse sempre mantimentos do passado. Poucos exploram
com tanta fantasia o espaço quanto Chagall, de tal maneira que se Escher faz um
espaço para se perder, Chagall faz um espaço para se achar e se perder no
achado. Escher prefere o labirinto sucinto; Chagall desconhece qualquer
labirinto finito que não seja lindo. De um, a vertigem. Do outro, o repouso.
Quem amou o amor amará
mais com Chagall. Quem senão ele para mostrar o amor no deleite de viver? Um
amor sem atribulações prementes: um amor onde a quietude se encontra com a
virtude.
Chagall é puro e depura
as formas, a ponto de trazer a quintessência da vida - não sem vigoroso
equilíbrio dos elementos. Qual flor que desabrocha sem perder a unidade de
tocha. Chagall é mais noturno do que diurno: suas assinaturas vêm muitas vezes com
o oportuno grifo da Lua. Chagall é a vantagem de haver miragem em qualquer
parte. Chagall é, aliás, um momento entre a paz e eu. Chagall é, em suma, o que
há de repentino na fruta. Eis o que Chagall faz por mim...
Obs: Obra de Marc Chagall.
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