Creio no mistério da
vida, portanto creio na luz alvissareira de Bonnard. Creio da mesma forma que o
pássaro crê no céu. Creio não para que os outros creiam tal como eu, pois talvez
a minha crença seja a crença de um homem só. Que posso fazer senão crer com
discrição, enquanto algo latente arde em mim? Crer sem nenhum adepto que já não
tenha dentro de si algo de enlevo, eis a minha missão. Crer até que se chegue o
momento de partilha silenciosa – algum pão que prefere a divisão a partir das
mãos, pois toda faca possui o corte cego. Sim, no que digo sempre há uma crença
palpável, sempre há uma afirmação da pele diante do frescor matutino da arte.
Crer em Bonnard é algo
que somente os meus olhos peregrinos jamais silenciam. Não por que a cor de
Bonnard simplesmente perdure, nem por que simplesmente arrebate, mas sim por
que perdura em meu coração para que assim profundamente me arrebate. É aquela
cor que o mundo vê, mas não vê. É aquela cor que tinha tudo para ser vista, mas
que logo se escapa assim como se escapa a vida. É por conta disso que enfatizo
o quanto é importante a crença na cor de Bonnard. Para que dessa maneira se vá
além do efêmero e do contingente. Para que não de outro modo se recupere o
milagre da cor.
Bem sei que Bonnard privilegia
um momento da cor muito peculiar, sempre entre o anseio e o êxtase. A tal ponto
que faz, a meu ver, um belo contraste com Hopper que jamais sabe ao certo quando
anseio e êxtase se confundem: de onde surge a solidão e a melancolia em seus
quadros. Bonnard, por seu turno, perfuma a solidão sem que se dê tempo de
nomeá-la solidão. Recupera a nudez de toda a falta de ternura – quando a
meia-luz assinala o sentido subterrâneo da pele. Ou então pratica o enlevo de
enriquecer o mundo com as nuances que o mundo não possui tempo de condensar. A
mesma luz que por toda eternidade se fez presente tal como sempre esteve
presente, nas mãos de Bonnard, nas mãos finitas de Bonnard, se farão sempre veementes
tal como de agora em diante sempre estarão prementes de fé e verdade.
Tudo por que Bonnard
refuta uma alegria fácil aos olhos, pois quanto maior seja o tema a que se
propõe, mais movido por uma força misteriosa surge de seu ato de pintar. Seu
pincel doma tempestades. Cada pincelada é um sopro a dar ordem ao mundo, mesmo
que seja uma ordem cuja desordem esteja sempre a espreita. Com Bonnard, eis que
a cor possui uma condenação que é no fundo a sua libertação: ou seja, ser
inadiavelmente cor, ser incolumemente cor.
Obs: Obras de Bonnard.
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