segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Rumores da alma

A sedução de um filme aflora não apenas de uma narrativa em que percebemos o poder de uma cadência, do começo ao fim; mas também, sem dúvida, quando palavra, silêncio e imagem encontram uma delicada harmonia; quando o filme, de fato, cresce, à medida que o pensamento nasce das circunstâncias do personagem ou quando a emoção reverbera no manancial dos olhos ou ainda quando o silêncio é uma semente que não se agüenta em si.

Tais reflexões surgiram da possibilidade de ver um filme chamado “Clarice Selvagem”, de meu amigo Tom Ribeiro. Um filme que compreendeu com rara sensibilidade o ardor contido em cada frase de Clarice Lispector; para ser mais claro, o filme todo versa sobre o mundo inquietante de uma moça, uma solidão plena de existência, em que um simples gesto de morder uma maçã, solta uma labareda na escuridão da alma. Seguir seu percurso é seguir com as mãos o magnetismo do veludo, é não saber qual o próximo caminho, uma vez que qualquer muro ou vagão de trem traz um recado insólito sobre ela e sobre nós... A câmera seduz para o mistério daquela vida e para o mistério a seu redor; um e outro não conseguem distinguir o vôo do pássaro da liberdade cardíaca que ela experimenta.

Tom sabe, como poucos, construir uma imagem; ver até que ponto o deslumbramento pode vir de uma singela viagem, que se torna, aqui e ali, a melhor oportunidade para luz e para poesia. Sabe estabelecer diálogos em que basta o mínimo, o sugestivo e o pungente para que a gravidade do corpo seja mais suave. Antes mesmo de nos darmos conta do eco das palavras ao longo do filme, por certo, já vamos senti-las na nossa circulação sanguínea; muito porque a música das palavras, ali compreendida, aquece o sangue e embala tudo o que diz respeito ao que há de mais caro em nós... E, além disso, que acuidade na escolha das músicas, já que aprofundam ainda mais o silêncio! Se existe algum filme que soube articular tão bem poesia e narrativa, não posso deixar de me lembrar do filme de Tom, feito com extremo dom, em convergência aos meios ali presentes.

Obs: Veja o vídeo no you tube -

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