quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Morandi: o canto gregoriano da cor

Criei certo costume de ver algumas pinturas, de acordo com determinada música, que me faça penetrar melhor naquele mundo de cores; ou seja, que a pintura venha à luz do coração da música, ou, ao contrário, que a música surja no amálgama das cores. Há muito tempo admiro Morandi e, ao pegar o seu livro, não tive dúvida; quis ouvir o “Magnificat” de Morales, que comprei, por acaso, e que desde então me deixou fascinado. E me pareceu tão interessante o modo como um interage com o outro, como um espera a devida cadência do outro para se revelar; mal um chega a ser botão de rosa, o outro já sopra suave vento; mal um mostra a química de seus elementos, para que o outro aguarde com a própria pele, aquele novo perfume...




Morandi é mestre da suavidade harmônica de fundo, de modo a quase fundir a cor da mesa com a cor da parede. Sabe como Morales criar a atmosfera ideal para os objetos, para as cores, para a claridade inefável das vozes... E como cada objeto é um devaneio de luz! Porque de fato vemos com prazer não apenas o perfil misterioso de um objeto, mas também a qualidade íntima de seu ser. Assim que uma voz se eleva, com extrema parcimônia, outra extingue sua chama com o mesmo zelo; é extraordinário o enlevo, o desejo de céu, a verdadeira comunhão entre pintura e música. Se observar uma das esguias garrafas, a duração do meu olhar espera às vezes até que a nota da voz suba todo seu desfiladeiro, a fim de continuar a peregrinação de montanha a montanha...




Morandi possui muita compreensão de que os objetos devem estar próximos um do outro (num ardil maravilhoso de luz e sombra), assim como Morales reconhece o poder do coro, da união de vozes, da onda que cresce volumosa, mas que jamais, aqui, no caso, cai abrupta; pois é uma onda que vem se desmanchando aos poucos; é uma onda que sabe que o mar é vasto e não tem pressa... Mesmo quando, de certa forma, a pintura se desvincula da música, tenho a impressão que a volúpia de um felino deixou seu magnetismo na minha calça de sarja. Ou mesmo quando o canto gregoriano está perto do fim, tenho a impressão de ter visto, pela última vez, o abismo da sombra de uma garrafa de Morandi... Com efeito, não sei ao certo qual a luz preferida de Morandi, mas se ouço Morales, de certo modo, descubro... Gostaria muito de saber qual a voz ideal para determinadas notas de Morales; aplaco minha ânsia ao ver com nitidez o esmalte, ou a pátina miraculosa, que vejo por certo nos quadros daquele grande pintor... Portanto, desculpem agora a minha fantasia, mas não posso negar que ouço deslumbrado com Morandi, e vejo eufórico com Morales...




Obs: Ouça aqui Morales - http://www.youtube.com/watch?v=opzXAYONbk8&feature=related

Nenhum comentário:

Postar um comentário