terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mosaico de sonhos




Do pó ao pó, voltarei
Não, sem antes,
Vingar todo meu pólen.


A poesia é a sabedoria de um carteiro, que não conhece a vida de ninguém, mas que sabe pela letra o valor de cada um.


O útero é o primeiro e último adágio que ouvimos antes de nascer...


A primeira falha do comediante é se achar mais engraçado que a piada. A última falha é achar a piada mais engraçada que o humor dos próprios ouvintes.


Amor: as primeiras badaladas são por sua conta, as demais, seu corpo apenas corresponde aos embalos do sino.


Riqueza excessiva (para alguns): aquela cuja dívida material jamais chega perto e cuja dívida espiritual jamais vai longe o bastante.


Miragens: quando os pés fraquejam, o suor viceja nas mãos, a boca apenas articula movimentos mecânicos, em busca de fresca saliva e os olhos são a derradeira sensação de não compreender mais nada...


Amor: impraticável sem pudor; inglório sem o frescor dos cachos molhados; impenetrável sem um breve rumor dos lábios; inafiançável como um pôr do Sol e ingrato para aquele que não respira com humor...


Eu: dito para si mesmo, com tanta empáfia, mais parece um eco numa caixa de isopor.


Sono: um sopro de inconsciência, num mar virgem de ondas.


Chuva: poderosa permanência do sonho a cada esquina, poderosa ausência da banalidade a cada beijo, sem paradeiro.


O Amor é uma âncora que resiste às pretensões do mar.


A pintura de Renoir faz da solidão extrema, de alguma forma, mais tolerável. Qualquer uma de suas figuras femininas concentra nos olhos e nos lábios uma quantidade infinita de recato e doçura...


Ciúme é uma melancia com mais sementes do que sumo.


A consciência de si mesmo é tão enganadora quanto o Sol do
meio-dia, numa floresta, onde jamais houve trilha.


Cisma: indecisão de qual pedra é mais firme, num terremoto.


Conte-me as novidades que eu lhe contarei as velhacarias da humanidade.


Medo: o futuro tão circunspecto, o passado tão rarefeito e o presente tão preocupado em amalgamar ambos...


Intriga: cansaço de deslumbramento.


Inveja: desejo de fazer um croqui com as lascas que restaram do grafite.


Desapontamento: um espelho que foi sempre trincado, até que um dia te feri...


Felicidade: achar que o avesso de uma folha seca será de outra cor.


Brevidade: desmanchar o brilho de uma estrela com o remo de uma canoa.


Destino: uma flor que desabrocha durante o dia e que retorna a seu retiro durante a noite.


Destino: tentativa de rastrear o caminho do vento, no deserto...


Poesia: lucidez insone dos ouvidos, bruma morosa dos olhos.


O ar circula na casa
Não há dúvida
Só não se sabe
Quando de fato entrou
E por qual janela


Ao invés da frase “Aqui jaz fulano de tal...”, seria mais humano dizer “Aqui jaz alguém que amou e sofreu, e que por tantas vezes perdeu o próprio nome...”, “Sem dúvida, a data da morte pode ser precisa, impreciso mesmo foi meu coração...”, “Decerto, não vão encontrar uma foto minha acima de mim; já me basta a caveira, que logo mais serei...”, “Ah! Tenho grande apreço pelas flores ao meu redor, o que dizer então das que levava na lapela?!”, “Lágrimas, sei bem, que resvalam por algumas peles, mas antes de caírem sobre esta terra estéril, já não são nada senão perfume que, cá, não chega...”, “O que é ‘adeus’, senão o peso de minha lápide? O que é ‘até logo’, senão algo que ninguém ousa dizer? Peço apenas que ajeitem a minha dentadura, pois esta, ao menos, a terra não há de comer...”


A vida do escritor é como a vida de um ascensorista: não conhece as pessoas apenas quando entram ou quando saem. Conhece aquele que entrou porque teve que entrar ou aquele que vai sair porque já é tarde para voltar. Conhece também o doloroso olhar que conta, um a um, todos os andares de sua solidão ou aquele que puxa conversa com todos, como se o elevador fosse o hall de entrada de seu próprio apartamento. O silêncio do ascensorista é sem dúvida o único que não incomoda, como se estivéssemos com nosso melhor amigo; e suas frases são lacônicas e moldadas para aquele curto e inestimável espaço de tempo. O ascensorista pode estar triste enquanto sobe, mas com outro feitio de humor na hora da descida. Conhece o Sol através do nó de uma gravata ou a tempestade através do mal prumo de uma guarda-chuva encharcado. Tudo leva a crer que passa a maior parte do tempo a olhar para o chão. É uma meia-verdade: pois olha, isso sim, para o chão onde tudo se passa...


Música: cavidade voluptuosa de uma concha, de acordo com os lentos movimentos de seu hóspede.


Obs: Pintura de Paul Klee

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