domingo, 21 de novembro de 2010

Estrelas, nada mais...






É sempre difícil separar a obra de um amigo de sua personalidade, é difícil distinguir o saquinho de chá com o próprio chá; é ainda mais difícil dar voltas no quintal de meu prédio, sem ser tocado pelo perfume da dama da noite; pois então não posso negar que foi esse o meu sentimento ao conhecer os trabalhos de Miriam Lust, por sua qualidade inefável de sonho, por sua alegria genuína em capturar a alma das crianças. E fico feliz em ver a entrega espontânea das cores, sem medo do atrevimento saudável de cada uma de suas estrelas, do lindo perfil abaulado da criança e do gato, de um fundo arroxeado que acalma qualquer ferida. Quanto mais simples a visão, mais arrebatadora, mais plena de Lua, mais preenchida pelo ar da madrugada... Como pode, através do prolongamento de uma linha, que sai de uma porta, abastecer tanto o nosso coração de doçura? E com que sabedoria, ainda não satisfeita, insere a cabeça travessa de um cão à porta! Sua obra surge de uma poesia sucinta, como um hai-cai, onde basta que haja uma janela para que haja o pólen fecundo das estrelas; basta que haja um céu rosa para ali ter sido o caminho de uma criança; basta que haja borboletas para que tudo tenha um sentido... E o que dizer então sobre seus desenhos, sobre suas releituras de mestres da pintura? Como separar céu e mar, personalidade e obra? Cada gesto seu vem carregado de significado, cada traço parece revelar a alma mais recôndita do retratado; é um olhar marejado, uma boca que, às vezes, guarda sutil melancolia, como o desenho a partir de El Greco; e como são expressivas as um tanto arqueadas sobrancelhas! E o que dizer do olhar penetrante de uma releitura de Frans Halls? E como cada veemente traço seduz por sua compreensão tão humana do retratado! Como sonha à medida que desenha cada dobra da gola! Como de fato percebe a generosidade que cada grande artista teve conosco... E, portanto, nada melhor que homenageá-los dessa forma... Fiquei também impressionado com o desenho de modelo vivo, com a volúpia da linha e como a pose vem de braços trançados e de modo a enfatizar a beleza das espáduas e, com efeito, a delicadeza da espiral do caderno, que contribui, e muito, para o dinamismo da obra. Sei que é difícil separar as minhas caminhadas noturnas do perfume da obra de Miriam Lust, mas juro que das próximas vezes vou respirar ainda mais fundo...

Obs: blogs de Miriam onde é possível ver muito mais; http://ilustracaoemcolagem.blogspot.com/; http://mlust.blogspot.com/

Um comentário:

  1. Fábio,meus sinceros parabéns,seu comentário engrandeceu ainda mais o trabalho de Miriam.
    Veio repleto dos eflúvios idílicos, em cada quadro e em toda parte como num jardim perfumadíssimo nas imagens de um crepúsculo.
    A inspiração é toda do texto,belíssimo texto.

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