quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Pinceladas noturnas 2
Às vezes, vivemos tão imersos num problema que a última tentativa de salvação deveria ser a primeira: ir em busca de ar, ir em busca da realidade.
Mulher bonita é aquela que passa por você e, ainda assim, ficamos sem compreender direito o que aconteceu.
O irreverente é aquele que venceu o próprio desespero.
Há duas maneiras de conhecer a si mesmo: a primeira é respeitar a própria solidão e a segunda é fazer, nem que seja, por um momento, os outros menos solitários.
Gostaria muito de entender o motivo de uma música, por vezes, tão aclamada, não me tocar tanto como algumas outras.
Considero-me, vez por outra, tal como um ajudante de cozinheiro que devido ao resfriado, não consegue sentir o aroma da comida.
Existe em mim a tácita necessidade de não desagradar os outros, o que me leva a dirigir um carrinho de bate-bate, com a ilusão de nunca resvalar em alguém.
Quem mora perto do mar sabe de onde vem o vento. Quem mora como nós, em São Paulo, descobre que é o vento que sabe de onde nós viemos.
Lotte Lenya canta como quem conduz um cavalo arredio que, em suas mãos, torna-se, para nossa surpresa, manso, manso.
O toque do escultor na argila úmida, a pressão vigorosa dos dedos, a aderência quase carnal de sua textura, tudo lembra a paz cerrada dos olhos, enquanto uma boca experimenta outra boca.
Quando o flerte é recente e por algum motivo não agradou, é mais fácil virar a página. Agora, quando o relacionamento vem de longa data, fica mais difícil separar uma página da outra, tão rentes e unidas são para os dedos...
Até quando, Van Gogh adiciona a pincelada num fundo de mesma cor, o que prepondera é a inquietude vital de sua alma.
John Constable é mestre do detalhe, pois posso até esquecer algumas percepções do todo, mas jamais esquecerei as frestas, entre o volume das árvores, por onde a luz passa.
Depois de nosso time ter perdido uma partida decisiva na Copa, dobramos aquela grande bandeira que vestia nosso prédio, assim como a viúva dobra as roupas do marido.
Quando alguém leva a sério uma brincadeira, a primeira coisa a se dizer é que toda a brincadeira tem um fundo de verdade.
Ser um bom observador nos leva sempre ao risco de ser, com muito despudor, também motivo de observação.
Na sonata in E major para violino de Bach deveria haver uma lápide onde estaria escrito: “Por aqui respiraram o mesmo ar, Romeu e Julieta”.
A poesia é um termômetro do coração, além de ser também um marca-passo.
A vida é um livro aberto cuja página jamais coincide com a última vez que foi folheada.
A beleza feminina é como um pôr-do-sol, pois enquanto ainda vemos seu perfil ao longo da rua, queremos ver até que o fim seja fim.
Numa paquera o maior mistério é o fim abrupto do magnetismo. Num namoro longo deixamos de acreditar que há mistério no fim.
Uma frase minha é como aquela respiração inevitável que consegui dar, a tempo de não ser sufocado por algo.
Admiro as canetas que falham, dizem tanto sobre nós...
A consciência é como uma teia de aranha; um fio partido desestrutura por algum tempo todo resto.
A pergunta que não se tem resposta torna-se sutil angústia, já que não fomos tão curiosos quanto aquele que nos questiona.
O ato de escrever é tão complexo e conjuga, ao mesmo tempo, tantas forças, que lembra o trabalho conjunto de formigas, enquanto levam uma aranha morta nas costas.
Um grão de areia é tudo
O que sabemos do infinito.
Tão ínfimo para os dedos,
Tão real para os olhos.
Inumerável possibilidade de ser
Mais uma vez praia...
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Adorei a imagem de uma boca experimentando outra.
ResponderExcluirComo como pizza só,diria que um lábio também pode se fartar do outro, canibalmente,quando se quer estar só.
Parece que você tem razào mesmo:a vida é como um rio,ou como seu livro.
Vivemos essa franca ganância, quase canibal, de curiosa.E é isso que move o universo,das poesias e gratas fantasias.