terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Lampejos 2



Rodin é uma espécie de milagre: como consegue expressar a volúpia do corpo feminino sem perturbar a lucidez que é posta à prova cada vez que toca com ardor aquela matéria quase impalpável que é a argila? Seu mármore então parece polido com as carícias plenas da mão...


Existe um Sol nos trabalhos de Paul Klee que, como uma pérola negra, fulgura apenas em alguns elementos da misteriosa noite.


Jamais saberei dizer o quanto há de cal ou de luz numa parede. Jamais saberei dizer o que pulsa nas minhas veias: se é meu sangue ou a música que nele se infiltra.


A voz é um instrumento que se afina a cada pequena pausa do transcurso da música.


A voz de Sarah Vaughan é como o mar de Caribe. Dentro ou fora das águas, nós enxergamos tudo.


A música de Debussy é tão sedutora quanto aquela blusa feminina que sobe sempre um pouco a cada delicado movimento.


Ouvir Debussy é como abrir aquele armário antigo onde um perfume, ainda não de todo esquecido, perdura.


A música de Haydn é como aquela sedução feminina de vestir uma meia-calça com a cadência que só as mulheres têm, de modo que tudo fique vigorosamente esticado.


Como saber quando uma música é música? Exatamente quando a música deixa de ser cadência para ser pulsação ou quando, uma vez mais, deixa de ser melodia para ser nossa respiração ou quando, ainda, deixa de ser harmonia para ser o quanto nossos olhos conseguem ver das estrelas...


Duvide firmemente da beleza (a resposta virá a longo prazo); não duvide, contudo, que é preciso ter estilo para ser feio (a resposta vem de imediato).


É necessário uma rua solitária, entre nós e a voz de Sinatra, para que haja luar.


“Lamento ante Cristo Morto”, de Giotto, é um dos melhores elogios jamais feitos à mulher. Enquanto um de seus discípulos mostra franco desespero, as mulheres o acolhem sem largos rumores, através de um choro contido e uma vívida compreensão do inevitável. O discípulo abre os braços, praticamente sai de si. Elas não; apenas o seguram firme em seus braços, sem deixar de afagá-lo. Seu discípulo olha, sem dúvida, para o morto; elas olham para a morte, para os últimos traços reconhecíveis da vida antes de ser pó.


As primeiras notas de uma música, tocadas por Richter, dizem tudo sobre o intérprete. As últimas dizem tudo sobre nós...


Vermeer, ou mais precisamente, “A mulher com brinco de pérola” povoa qualquer solidão. E algo que sempre me cativou em tal quadro, talvez seja o fato de não ser bem uma pose, como se Vermeer tivesse apenas sussurrado para ela: “Volte-se para mim”. E assim aquela pequena torção de nuca bastou para que o mundo voltasse a ser mundo...


O violinista prescinde de qualquer vaidade. Não diz como a mulher: “Olha! Quebrei a unha!”. Vai além e diz: “Que droga, estraguei a nota!”.


Schubert, em seu Impromptu Op. 142, é como marca de batom de moça: sei que está todo em mim, quando já não há mais nada na boca dela...


Música: começa com um delicioso murmúrio dos lábios e o toque final só é percebido entre os dentes.


O violino é, em todo adágio, como uma rede de piscina feita para capturar folhas secas.


Pollock possui a energia voraz de um faminto, que vai a um rodízio de carne, sem que haja garfo ou faca.


Ouvir música sem ver é como beijar de olhos fechados, ou seja, uma arte que ninguém entende muito bem, o motivo de ser tão bom.


A música é como o Amor, quem denuncia ambos são os pés...


Picasso vai tão fundo na alma feminina que muitas vezes um dos olhos delas pode ser sereno feito folha de outono, enquanto o outro vem flamejante de paixão, como um pianista que traz toda a cadência do mundo com uma mão, enquanto a outra testemunha a verdade de uma melodia.


A música é quando não se distingue o mar da espuma.


A música é ter um caso de amor com as nuvens, enquanto tudo é um acaso colorido do entardecer.


Obs: Não achei uma boa imagem da escultura de Rodin em argila, mas, a meu ver, a que foi escolhida, traz toda a intensidade de seu trabalho.

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