segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pinceladas noturnas



Quanto mais vivemos, mais devemos nos afastar da idéia horrível de só sobrar de um naufrágio a âncora para se agarrar...


A doença é a única prisão que se faz de dentro para fora.


Há filmes que são como suco de laranja com gelo; o começo é bom, mas o fim é tão aguado.


Nenhum choro é mais convincente que aquele feito sozinho.


O diálogo é a arte de abrir a fresta de uma janela de modo que os papéis esparsos da mesa não voem.


Nem tão pesado para dormir, nem tão leve para se levantar: melancolia.


Sem água nem saliva, recorro à escrita.


Para quem deseja ser escritor, fica evidente, por vezes, a dificuldade de acertar a linha na agulha.


Quando se ouve música não se deve buscar a todo o momento uma metáfora, pois o corpo feminino, durante a noite, é para as mãos e, às vezes, para os olhos.


Querem saber o que é o caos? Um só espelho pra um camarim cheio de modelos.


O eixo do universo está contido na cintura de uma mulher que dança...


Todo pensamento bem elaborado que se lê ou se ouve, exige do leitor e escritor o trabalho mútuo de fazer entrar um grande sofá ou idéia pela porta da alma adentro.


As nuvens são como as mulheres: nunca sabemos quando a suavidade do branco transmuda-se em carregado cinzento.


Aquele que só pensa em si mesmo é como o anfitrião que depois de ver todos sentados, se acha no direito de puxar a mesa por inteiro na direção de sua cadeira.


Nunca fui muito de gostar de Sol; a minha praia sempre foi circunscrita àquela sombra do guarda-sol.


Algo que se desmorona com apenas um olhar sério, sem que eu entenda bem por quê: a minha fala.


Nenhum relógio terá a indubitável certeza de quando um pôr-do-sol termina.


Ler com o fim de a cada frase atestar a sua superioridade como escritor é como um astrólogo ingênuo que pensa ver as estrelas através de um microscópio.


O escritor deve ser persistente como um pescador, mas sem ser muito deslumbrado com o peixe.


Depois de um dia de névoa, o abismo parece mais profundo.


É depois que já está no chão que descobrimos afinal o verdadeiro tamanho de uma árvore.


A ousadia é uma das mais complexas paixões, pois exercê-la com toda a liberdade depende de um coração que não possui um desejo de antemão.


Abrir um diário é fácil, difícil é encontrar a palavra certa antes de fechá-lo.


Somos atores cuja experiência ensina a estar atento à mudança de cenário, mesmo que a roupa não combine muito.


Toda a energia que deixei de exercer durante o dia, provoca em mim uma leve insônia.

3 comentários:

  1. Oi Fábio! Esse emaranhado de palavras e frases me pareceu verdaeiramente visceral, mais do que seus outros textos. Não pude deixar passar isso!!!!!!!! E ainda mais com o céu mais verdadeiro que a humanidade ganhou com o querido Van Gogh. Sabe, quem lida com a arte, seja a das palavras, das imagens, qualquer uma delas, tem que lidar com os extremos da alma. Nos é caro, e até mesmo dolorido, mas é o que faz com que as pessoas compartilhem com a gente a verdade que queremos que emane de nosso âmago. Continue nesse caminho!

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  2. Oi, Mel! Fico muito feliz que tenha gostado e, de fato, essas palavras saíram do âmago... E é,sem dúvida, um prazer compartilhar e ver que aquilo que digo não é mais só meu, assim como ocorre com as tranfusões de sangue...

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