sexta-feira, 5 de março de 2010

Uma sonata de Beethoven



Antes de dizer qualquer coisa sobre Beethoven, me propus a ouvir a piano sonata nº28 mais de uma vez, com o fim de não apenas conhecer a suavidade de seu tecido cromático, mas também procurar saber aonde vai o arremate interno e, se possível, como é feito. A partir disso, só mesmo ouvidos cuidadosos apreendem a complexidade de seus andamentos e para dar uma dimensão de sua maestria é preciso lembrar como Pelé tinha plena noção tanto do gol como também de quem vinha a seu lado, ou seja, à medida que o time avançava, a mente de Pelé participava e coordenava tal avanço, pronto para um possível passe, drible ou finalização.
Portanto para Beethoven a música possui a mesma dinâmica e por mais que houvesse um pensamento que norteasse o andamento, ainda assim, não se pode dizer que havia um rigor absoluto que centralizasse tudo, até porque nem toda a jogada vai só pelo meio. E é então através dessa dinâmica que vamos perceber como, em dado momento, ela pode ser sutil, breve e quase autônoma do conjunto, para logo em seguida suas notas serem recuperadas de maneira ousada onde o sutil se transmuda em algo denso e terno, o breve migra para algo duradouro e o que parecia autônomo se apresenta irresistivelmente mesclado ao todo.
Decerto, Beethoven faz tudo isso com extrema consciência dos relevos de superfície que cria, pois o efeito para quem ouve é de conhecer pelo tato as esculturas de Rodin, ou seja, conhecer com as mãos o dorso ardente de uma de suas mulheres nuas e encolhidas onde a profusão de cabelos tão bem se ajusta àquele ímpeto de Beethoven de extravasar a abundância rica de suas harmonias.

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