sexta-feira, 12 de março de 2010
A suavidade de Degas
Uma obra de arte nunca se revela em todos os seus aspectos logo no primeiro olhar; demanda de nós a calma do devoto que caminha pela nave da catedral, e não a inquietação de quem passa apressado de um lado a outro do aeroporto. Portanto, é da primeira maneira que devemos olhar para “Mulher sentada ao lado de vaso de flores” de Degas e o que, de imediato, me fisgou, foi aquele tom ameno do conjunto e que integra tudo o que se encontra dentro de seus limites, além daquela leve opacidade da pele da mulher em relação à vivacidade das cores do buquê. E mesmo a explosão de cores das flores tem, a meu ver, um aspecto contido e discreto no modo de liberar energia que talvez seja corroborado pela variedade das cores.
À medida que admiro o trabalho é acrescentada às minhas impressões uma flexibilidade no desenho, seja na apreensão dos traços femininos, seja na delicadeza de sugerir o refinado debruado do traje, e para cada canto que se olha, se apodera de nós a firme precisão da linha. E quando vemos os toques sutis para conceber as flores logo nos damos conta do extremo amor ao ínfimo de Degas, principalmente quando se trata das flores de cores um pouco mais escuras, já que são delicadas como um noturno de Chopin, e com efeito cada toque do pincel tem aquela cadência pausada do compositor.
Além disso, o que me agrada muito no quadro é a dispersão harmônica das flores - rica como uma primavera; e como não falar da cor negra e densa do cachecol, e, à nossa esquerda, da fugaz e translúcida aparência da jarra de água, da displicência inerte do tecido na mesma região e da solidez estruturadora da toalha de mesa? É, enfim, um trabalho maravilhoso em que Degas compreende que a obra de arte perde muito quando se atém à vida sem ser capaz da intensidade desta. E é através de sua fidelidade e paciência ao tema que Degas se assemelha a um jardineiro japonês que sabe qual o corte adequado para que o bonsai seja belo, pequeno e de grande vigor; mesmo que essa obra de Degas não seja das mais conhecidas.
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