sexta-feira, 26 de março de 2010
Lento, sim; monótono, não
Algumas vezes, já ouvi pessoas dizerem que a música, quando lenta, é chata como se causasse um torpor aos sentidos, acostumados, talvez, ao pique e agitação das músicas que fazem dançar. Nunca se viu uma pista de dança à frente de uma orquestra ou uma sequência de cadeiras para ouvir um DJ. Poucos são os jovens que aguardam nos bastidores o autógrafo do pianista e, eu, pelo menos, nunca vi senhoras de idade à meia-noite na fila de uma discoteca. Mas, por mais que haja certo perfil para determinado tipo de música, ainda acredito que a análise sensível é capaz de estimular os jovens (mesmo que sentados) e os mais velhos, a não dormirem.
O motivo de tais reflexões não é recente, visto que foi se acumulando e rompeu de vez com uma audição de Dvorak, que fiz como um felino, atento e sonhador ao mesmo tempo; e, talvez, tudo o que escrevo, seja sempre um sonho que exige de mim toda a minha lucidez. A obra é o Piano Quarteto n° 2, OP 87 e ao piano, Rubinstein, que emprega com delicadeza a ponta versátil dos dedos. E o movimento que mais me chamou a atenção foi o denominado Lento que perdura por dez minutos e vinte e cinco segundos. Com efeito, cada segundo, desses minutos, escorre vigoroso como um rio, quase voraz, por vezes, devido às quedas que transcorrem ao longo de seu curso, mas há sempre aquela energia vibrante e cadenciada que faz tudo fluir. E dou também um destaque para o violino que deslumbra por sua eloquência um tanto contida, que cala tão fundo como uma elegia, que quanto mais silencia para ouvir o piano, mais volta com seu ardor e sua dor e assim, sem dúvida, ambos exercem seu poder sobre nós.
Decerto, a música lenta não tem o ritmo arrebatador das ondas do mar, a agitação de suas espumas, o possível confronto com as rochas em suas encostas, porém o que seria de Monet sem a serenidade de seu lago, sem a inefável beleza de suas ninféias? Que seria desse jovem de 70 anos?
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