sábado, 13 de fevereiro de 2010
Uma mesma voz de vários timbres
Há algo na peça por mim assistida que começa quando nenhuma luz ainda brilha, e só se ouve (além de uma voz em "off") o rumor do frágil ser humano que apenas pressentimos, ali, naquele tablado. Eis então que a luz se acende e pouco se vê além de duas cadeiras e um criado mudo ao fundo, até que nosso olhar se dirige para as atrizes que estão ali prontas para amar, prontas para sofrer, e só não estão prontas para a solidão que é amar e sofrer.
De certo poderia ser em qualquer lugar, mas não: tinha que ser ali naquele pequeno palco sem cortinas do CCSP. Sendo que a peça tem como cativante título "Clarices". Mas, na verdade, são todas a mesma mulher, Clarice Lispector. Claro que o timbre muda e a nuance de comportamento também; e, sem dúvida, a tristeza pode, sim, vir da alegria e a alegria, por vezes, precisa subir pelos degraus da tristeza, mas tudo vem desse ser admirável que é Clarice. Pois é, quantas vezes fiquei deslumbrado com aquele olhar perdido de uma das Clarices, que após um devaneio se afunda hesitante na cadeira de balanço; que, sobretudo, se permite arroubos de sentimento, mas é ao mesmo tempo mais tímida que as tímidas. E que carinho há entre as Clarices, mesmo que não haja diálogos! Que maravilha é ver uma desembaraçar e tirar do invólucro os cabelos da outra...
E é assim por pequenos gestos e grande afeto que ouvimos aquelas mulheres, que nos seduzem ou por uma imagem de pleno arrebatamento ou pelo fato de no mesmo momento macerar pétalas nas mãos... E como é bom ouvi-las cantar quando é preciso, e calar porque nem tudo é preciso. Sem dúvida, suas vidas queimam como labaredas vívidas, e as cinzas de uma servem de combustível para o incêndio da outra - numa peça de ardor extraordinário e extremamente sensível...
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