segunda-feira, 25 de abril de 2011
À sombra da amizade
A amizade é a primavera do espelho
É reconhecer a trilha de uma floresta através do vento
É um noturno Sol e uma matutina Lua
É a chuva que molha mas não encharca
É desconhecer as distâncias se não houver um rio
É um fogo de gravetos: extingue-se se não houver um constante movimento ali presente
É falar quando irresistivelmente necessário, calar ainda que se espere de maneira tola o contrário e rir muito porque nada vai para o túmulo...
É prescindir de máscaras e que se esqueça de suas marcas
Na amizade são mais memoráveis as covas do rosto que as rugas
É a primeira consciência depois da última sensação
É a longevidade de algumas horas
É a novidade sempre docemente antiga embora nova
É a vantagem de não haver vantagens
É um futuro sem ansiedade
É o respeito pelo respeito
É o degelo dos cumes
É o arrependimento que não se confessa
É a luz do farol que tremula de leve nas águas do mar
É a pungente lápide de um epitáfio em braile
É a folha de outono que nunca sabemos quando será a última
É uma mala de viagem sem extravio, que reconhecemos, na esteira do aeroporto, mais por seus adereços do que por sua cor
É a fome que não se ludibria com a entrada
É aquele assobio comprido do vento na janela
É a veemente claridade do obscuro
É o único sincero desfecho para a inteireza da alma
Fábio Padilha Neves
Obs: Obra de Henri Cartier Bresson.
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