domingo, 10 de abril de 2011
Fado e enfado: Paula Rego
Nada ao meu redor suscitava o que seria as obras de Paula Rego, assim que cheguei à Pinacoteca. Talvez a penumbra da chuva, talvez o breve frio do outono, talvez... Sei apenas que quando entrei de fato, descobri um estranhamento e empatia com seu trabalho, uma vez que cada obra sua é, a meu ver, como gelo seco que, por mais que se segure por bom tempo, não se consegue suportar muito, o que deixa por fim marcas indeléveis. “Mulher Cão”, um dos primeiros trabalhos que vi, mostra o que nenhum olhar jamais se esquece; a brutalidade do mundo, a condição humana em seu extremo. Desde então, percebi que seu tema não é a delicadeza, pois há algo de rude e truculento em seu modo de ver a mulher. Até mesmo quando percebemos o erotismo, através de uma mulher que procura com as mãos o fecho das calças de um homem, o olhar da figura é imperativo, dominador; e há por certo um controle que o homem ali não duvida, nem nega. Não são decerto trabalhos que se aprisionam todos os detalhes, mas é provavelmente um detalhe ou outro que nos tranca a alma, para melhor encará-la. O molho de chaves é extenso e todas são muito parecidas; assim sendo, é sempre o metal mais frio que rompe a cadeia.
Fiquei sem dúvida admirado com os planos incongruentes que cria aqui e ali, em alguns quadros, que são na verdade uma maneira da memória trabalhar de forma mais vívida, em busca de uma coesão profunda, de uma lógica em que é o drama que funda. É um trabalho que, por consequência, nos absorve por suas farpas inesperadas como é o caso da série “Aborto”, em que o corpo de uma mulher se crispa numa cama, enquanto o perpétuo balde do feto fica inerte no chão. Paula Rego, entre outros, põe abaixo qualquer crença que o figurativo está esgotado. Nenhuma espécie de olhar escapa de seus pincéis, pois se a Bíblia é Rembrandt, não se podem negar as visões apócrifas dessa portuguesa. E a exposição mostra, para nosso prazer, como seus estudos são minuciosos, com a permanência absoluta e magistral da luz e das sombras, como se indicassem a incontornável importância da atmosfera lúgubre em seus quadros. Quando afinal sai da exposição e já havia luz lá fora, senti falta da chuva e, sem imaginar à princípio, senti falta de seu recado cifrado...
Fábio Padilha Neves
Obs:"Mulher Cão", "Bailarinas", "Aborto"(pena que não achei a que queria), respectivamente.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário