terça-feira, 3 de maio de 2011
Desvanecentes contornos
Nervosismo é um tremor de terra que só você sente.
A pintura é como a chuva: é mais fácil saber quando termina do que quando começa.
Há livros que são como sopa de letrinhas, pois só mesmo quando você está cheio é que você começa a reparar nelas.
O medo é uma diarréia crônica com hora e lugar marcado: apenas não se sabe qual será a comida...
Picasso deslumbra mais não quando provoca estilhaços formais, mas sim quando o cálice ainda é cálice, mesmo que trincado.
Não há maior sinal de respeito para as contradições do ser humano que o silêncio benévolo.
O bom humor é, acima de tudo, uma maneira de ver por baixo de tudo.
A roupa que o palhaço sempre quis usar, sem receber muito crédito do outros, é a de luto.
Se um ladrão pretende roubar a casa de um pobre, este prefere que aquele entre pela porta dos fundos, para que talvez assim dê uma melhor impressão de sua pobreza.
Para cada assunto velho, o bem humorado burila uma brincadeira nova.
A amizade, a meu ver, já se mostra madura, logo nos primeiros momentos, assim como o som oco de um coco mostra que dentro não há carne.
Quando tentamos ler os pensamentos dos outros, só conseguimos, na realidade, ler os nossos temores.
O filósofo e o poeta são indispensáveis um ao outro: assim como o engenheiro fundamenta e realiza e o arquiteto planeja e sonha.
Todo aforismo almeja os movimentos de onda, que depois que derruba sua espuma, faz um suave recuo de retorno.
O aborrecimento é um termômetro que marca sempre o mesmo clima, enquanto a temperatura interna oscila entre o frio e o calor.
O acaso é, muitas vezes, o descaso do destino.
Hoje, entendo o conselho de somente ser leitor de autores mais antigos: impede que a inveja, tão comum entre autores rivais, perturbe uma leitura.
Castas: no ocidente, a diferença de idades bem que merece tal emprego.
A vida exige de nós o absurdo de lixar um ovo sem derramar seu conteúdo.
O que melhora o comediante é a falta de presunção.
Deus e o Diabo tiram braço de ferro e a mesa somos nós...
Saudade é aquele cobertor pequeno demais quando somos apenas um.
Alguns não são flor que se cheire, outros não são espinho que se toque.
A fome é o cúmulo da lucidez.
A mentira é imaginar como será um peixe pela isca.
Monet é uma loja de perfumes: basta alguns minutos para quem é bom de faro.
Monet trai o pincel para recuperar-lhe o frescor.
Monet é como uma lente de contato: quando menos se espera já aderiu aos olhos.
Monet é sem dúvida o vigoroso balé das pinceladas.
Uma árvore alta é o assobio profundo do Paraíso.
Fábio Padilha Neves
Obs: Obra de Monet.
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