quinta-feira, 5 de maio de 2011

Trágico ou alegre sou...



Trágico mesmo é não confiar no próprio sorriso.

A amizade é o controle da própria expectativa.

Trágico mesmo é não haver tempo para a simplicidade.

A amizade é uma pergunta que não se transforma em intimação.

Trágico mesmo é um pouco de ar sem vôo.

A amizade é a telepatia da confiança.

Trágico mesmo é um pouco de chão sem a consciência da própria leveza.

O comediante é o único que possui sangue frio sob pressão.

Trágico mesmo é o banho de mar com pressa por água de chuveiro.

O comediante escuta uma história com a acuidade da memória, sem se perturbar com o desfecho da situação.

Trágico mesmo é a rude mão que jamais conheceu a maciez do rosto de uma mulher.

O comediante diverte-se com o fato da peteca ser de areia e não se saber até onde vai com seu furo.

Trágico mesmo é a comédia que nunca foi trágica.

O comediante exerce a lei da física de Einstein: matéria se transforma em luz, luz se transforma em matéria.

Trágico mesmo é que toda Lua é trágica quando estamos sós.

O comediante espirra e ninguém diz saúde: vai que é pretexto para piada.

Trágico mesmo é que quando me falta palavra ainda não deixo de ser eu.

O comediante é um ladrão que rouba de outro ladrão que não sabe que é ladrão.

Trágico mesmo é que meus olhos são pequenos demais para a alegria e grandes demais para a tristeza.

O comediante ouve o que deve e fala o que os outros duvidam ser o seu dever.

Trágico mesmo é que me confundem com quem realmente sou de vez em quando.

Não é o comediante que é inconveniente: é a vida dos outros que é muito convencional.

Trágico mesmo é que a vida é longa; somos nós que a abreviamos...

A comédia é como a seriedade de uma pele ao Sol – sem protetor: uma hora descasca.

Trágico mesmo é que quando me olho no espelho, esqueço de encarar os meus próprios olhos.

O comediante fareja o silêncio por trás de cada palavra.

Trágico mesmo é que sou tão pouco, até mesmo quando sou muito...

A comédia é a descoberta da chispa onde cabe a alegria.

Trágico mesmo é que a minha voz dura melhor no papel.

O bom humor é a única e eficiente forma de esperança.

Trágico mesmo é que o meu silêncio faz eco quando estou entre muitos.

O bom humor vai além da pretensão de ser engraçado.

Trágico mesmo é que a respiração é uma eterna despedida.

Não há igualdade na vida até que a verdadeira amizade não seja capaz de reinventá-la.

Trágico mesmo é que a minha memória é muita vaga quando diz respeito a um perfume...

Toda amizade descobre os vícios da própria amizade.

Trágico mesmo é que a ponta de minha caneta tem mais tinta do que eu sangue...

Procure um Dom Quixote e nunca encontrará junto outro Dom Quixote, sem serem tristes. No entanto, para cada Dom Quixote sempre haverá um Sancho Pança, a fim de que perdure a alegria.


Fábio Padilha Neves


Obs: Obra de Corot.

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