Jamais entenderei por
completo teus olhos, Rembrandt. Passam as estações do ano, passa junto a minha
vida – permanece o mistério. Posso olhá-lo na alegria ou na tristeza: nada muda
sem que haja mudança. Não olho para meus olhos sem que eu me lembre dos teus,
Rembrandt. Envelheço contigo, meu amigo. Com o mesmo sofrimento, com o mesmo
enlevo, intumesço assim de verdade a minha consciência do mesmo modo que você o
faz com seus pincéis. Pronto talvez para ser o mundo de outra maneira: não mais
tão à beira do poço, ser tanto quanto posso o próprio poço, enquanto ouço o inequívoco
murmúrio que sou eu. Ouso ser o que teus pincéis foram com gana que não se
engana, com alma cuja pausa inexiste, sem nenhum momento de chiste, pois plena
de humanidade. Sem ponderação que fique longe do que sou hoje, e que seja eu ou que seja o mundo, nada nem ninguém foge de teu carisma. Sei que meus olhos são itinerantes, mas
basta estar diante de ti, Rembrandt, para que seja meu, e por inteiro, este
instante. Para que eu seja parte de teu reino de cores e formas, de suores e
incessante retomada do perene. Presença terna, uma caserna no meio do nada, uma
cisterna no deserto, uma caverna de luz e lago subterrâneo. Meu conterrâneo sem
que de fato algo soubesse. Conterrâneo de alma, tão errante no mundo quanto eu.
Perdido ou a ponto de se perder. Algum uivo a desdizer o silêncio. Algum uivo
que apenas vejo em teus olhos, Rembrandt... Sem que tu saibas que hei de acolhê-lo
qual noite de piedade e estrelas.
Obs: Obra de Rembrandt.
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