sábado, 6 de outubro de 2012

Nos olhos de Rembrandt




Jamais entenderei por completo teus olhos, Rembrandt. Passam as estações do ano, passa junto a minha vida – permanece o mistério. Posso olhá-lo na alegria ou na tristeza: nada muda sem que haja mudança. Não olho para meus olhos sem que eu me lembre dos teus, Rembrandt. Envelheço contigo, meu amigo. Com o mesmo sofrimento, com o mesmo enlevo, intumesço assim de verdade a minha consciência do mesmo modo que você o faz com seus pincéis. Pronto talvez para ser o mundo de outra maneira: não mais tão à beira do poço, ser tanto quanto posso o próprio poço, enquanto ouço o inequívoco murmúrio que sou eu. Ouso ser o que teus pincéis foram com gana que não se engana, com alma cuja pausa inexiste, sem nenhum momento de chiste, pois plena de humanidade. Sem ponderação que fique longe do que sou hoje, e que seja eu ou que seja o mundo, nada nem ninguém foge de teu carisma. Sei que meus olhos são itinerantes, mas basta estar diante de ti, Rembrandt, para que seja meu, e por inteiro, este instante. Para que eu seja parte de teu reino de cores e formas, de suores e incessante retomada do perene. Presença terna, uma caserna no meio do nada, uma cisterna no deserto, uma caverna de luz e lago subterrâneo. Meu conterrâneo sem que de fato algo soubesse. Conterrâneo de alma, tão errante no mundo quanto eu. Perdido ou a ponto de se perder. Algum uivo a desdizer o silêncio. Algum uivo que apenas vejo em teus olhos, Rembrandt... Sem que tu saibas que hei de acolhê-lo qual noite de piedade e estrelas.


Obs: Obra de Rembrandt. 

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